sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

...minimalismo mexicano...

Damián Ortega, artista mexicano, participou da nossa Bienal de São Paulo em 2006, curadoria de Lisette Lagnado. Artista minimalista, desenvolveu diversos trabalhos que dialogam profundamente com o universo de artistas como Donald Judd e Sol LeWitt.

Nesse trabalho, chamado Controller of the Universe, de 2007, Ortega coleta diversas ferramentas e as pendura no espaço expositivo cuidadosamente, apontando cada objeto no sentido oposto ao centro imaginário da construção geral. Combinando o nome do trabalho à sua visualidade, logo se percebe as intenções do artista. Ortega relaciona todo esse ferramentário à explosão inicial, o Big Bang, movimento inicial de modelagem do universo, momento que definiu toda história subsequente. No caso da explosão, tem-se a idéia de aleatoriedade, uma vez que uma explosão é incontrolável. As massas e matérias resultantes da explosão são num primeiro momento advindas do acaso.
A "explosão" de Ortega, pelo contrário, seria a explosão do controle, ou seja, as ferramentas que botariam ordem na desordem do Big Bang. São os objetos geradores de ordem, controladores do ambiente.
Claro, não há como não pensar que a obra poderia ser uma ironia a tudo isso que foi dito. O que acaba sendo mais ordeiro, o mundo de, origem aleatória, pré-humano; ou o caos urbano "ordenado" pelo homem?
Para mais imagens da obra, visite o site White Cube, na página do artista.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

...Oscar Wilde...

Hoje não postarei nenhuma análise de obras de arte. Mas um texto muito bom que está no prefácio do livro O Retrato de Dorian Gray que esclarece bastante o lance de arte, artista e crítico. O livro já vale pela introdução.



"O artista é o criador de coisas belas.
Revelar a arte e ocultar o artista é a finalidade da arte.
O crítico é aquele que pode traduzir, de um modo diferente ou por um novo processo, a sua impressão das coisas belas.
A mais elevada, como a mais baixa, das formas de crítica é uma espécie de autobiografia.
Os que encontram significações feias em coisas belas são corruptos sem ser encantadores. Isso é um defeito.
Os que encontram belas significações em coisas belas são cultos. Para esses há esperança.
Existem os eleitos, para os quais as coisas belas significam unicamente Beleza.
Um livro é, de modo algum, moral ou imoral. Os livros são bem ou mal escritos. Eis tudo.
(...)
A vida moral do homem faz parte do tema para o artista, mas a moralidade da arte consiste no uso perfeito de um meio imperfeito. O artista nada deseja provar. Até as coisas verdadeiras podem ser provadas.
Nenhum artista tem simpatias éticas. A simpatia ética num artista constitui um maneirismo de estilo imperdoável.
O artista jamais é mórbido. O artista tudo pode exprimir.
Pensamento e linguagem são para o artista instrumentos de uma arte.
Vícios e virtudes são para o artista materiais para uma arte.
Do ponto de vista da forma, o modelo de todas as artes é a do músico. Do ponto de vista do sentimento, é a profissão do ator.
Toda arte é, ao mesmo tempo, superfície e símbolo. Os que buscam sob a superfície fazem-no por seu próprio risco.
Os que procuram decifrar o símbolo correm também seu próprio risco.
Na realidade, a arte reflete o espectador e não a vida.
A divergências de opiniões sobre uma obra de arte indica que a obra é nova, complexa e vital.
Quando os críticos divergem, o artista está de acordo consigo mesmo.
Podemos perdoar a um homem por haver feito uma coisa útil, contanto que não a admire. A única desculpa de haver feito uma coisa inútil é admirá-la intensamente.
Toda obra de arte é completamente inútil."



Como sempre, um link para aprofundar no assunto.

domingo, 24 de fevereiro de 2008

...dois é um...

Robert Rauschenberg é um dos grandes artistas que fizeram da década de 50 uma das viradas na história da arte. Num momento pós guerra, numa europa em crise, tanto econômica quanto artística, surgem nos Estados Unidos artistas de qualidade excepcional que acabaram, entre outros fatores como a migração de artistas, a mudar o centro da arte mundial de Paris para Nova Iorque, e Rauschenberg está entre estes grandes. Considerado como um dos precursores e posteriormente participante da Pop Art, sua abordagem artística possui características que o aproximam bastante de Duchamp e outros Dadaístas no sentido de inserção de conceitos em suas obras.
Em Factum I ,1957 , Rauschenberg cria uma tela com colagens e gestos de tinta, e logo em seguida, cria outra tela idêntica. Ora, a segunda obra possui os mesmos adjetivos que fazem da primeira uma obra de arte, ou é considerada cópia? Mas como pode ser cópia se quem fez é o próprio Robert Rauschenberg? O nome que ele dá a sua obra, Factum I, já é um questionamento a esse respeito: uma obra de arte é um fato único? Pode ser refeito? De Chirico, pintor, obteve bastante sucesso com telas surrealistas, embora não as considerasse dessa maneira. No final da vida, quando não mais vendia seus quadros, recomeçou a pintar suas grandes obras do periodo surreal, e quando diziam que estava copiando, respondia perguntando como poderia copiar algo que era ele mesmo que havia feito? A obra era dele e pronto. Ele pintava o que queria.
De certa forma, essa visão tira a aura da obra de arte, como evento único e envolto em certa mística, banalizando o que se tem por arte. Uma obra não pode ser apreciada, embora imperfeitamente, atravéz de uma foto via internet ( elemento de democratização do acesso à arte)?
Segue link para texto a respeito de Robert Rauschenberg.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

...penso logo escrevo...

Esse trabalho de que falarei agora foi um dos primeiros que fiz uma análise própria quando comecei a estudar história da arte. Na verdade, ele chega a ser bastante literal. Em Mind over Matters, de 1993, Janet Zweig monta um mecanismo que liga por um jogo de roldanas uma pedra e um cesto, dentro do qual um computador vai despejando um rolo de papel. No papel, vão impressas diversas sentenças que a máquina randomicamente combina a partir de três frases:
"I think therefore I am." --Descartes
"
I am what I am." --Popeye
"
I think I can." --The Little Engine That Could
O resultado são frases bastante interessantes, do tipo:
I am what I think I am.
I think I am.
I can think what I can think therefore I think.
I can I am.
I can therefore I can.

E assim por diante. Conforme o papel vai caindo no suporte com palavras impressas, o peso do cesto começa a se equivaler ao da pedra, até que essa se suspende no ar.
Como disse, é um trabalho bastante literal. Pode ser visto como uma metáfora do peso que as palavras possuem, ou de idéias, ou do conjunto dessas. Mas gostaria de atentar para as frases usadas: uma de um filósofo que revolucionou a história da filosofia e abriu as portas ao movimento moderno, mas também ao relativismo; outra de um personagem de desenho animado; e outra de uma história americana. Todos de conhecimento popular, afinal, todos conhecem a célebre frase "penso logo existo" de Descartes, o personagem e o conto. No conjunto, a leitura que faço desses elementos é a crítica à tentativa de justificação de um modo de pensar e de agir, no caso, o american way of life, colocado fortemente pelo conto infantil e pelo Popeye, através da repetição incessante de idéias muitas vezes desconexas, mas que se não pensadas a respeito, soam bonitas, como "posso, portanto, posso". Todas essas idéias são empurradas por mecanismos organizados e programados por alguém, no caso o computador, a ponto de tirar o peso da realidade e da lógica da consciência do homem: lugar de pedra é no chão, não suspensa por um fio.
Outros trabalhos da artista no seu site.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

...arte africana...

Depois de três posts seguidos de artistas com vários pontos em comum, além do fato de serem pintores, optei por continuar com um pintor, porém de uma linha diferente das demais. Odili Donald Odita é um artista africano atuante, que ano passado participou da aclamada Bienal de Veneza com uma grande "instalação", se é que pode ser chamada assim.
Nascido na África, muda-se cedo para os Estados Unidos, onde começa sua formação artística como artista abstrato. Conhece um núcleo de artistas nigerianos também e trava contato com sua cultura. Numa análise em aula de Agnaldo Farias, a obra, exposta na bienal de veneza, possui profunda ligação com a arte africana. Como uma forma de cada família mostrar sua marca e suas características, pintavam na frente de suas casas texturas visuais como a acima, mas isso não como senso artístico, e sim como identificação social, sendo feita a muitos anos. Nessa instalação, Odita pinta todas paredes de uma única sala com esse tipo de textura, criando uma "aura", uma atmosfera, que nada tem a ver com um museu, mas muito mais com uma decoração tropical, embora feitas dos mesmos elementos geométricos que trabalharam artistas do hard-edge, tipo de pintura concreta abstrata.
Ora, a abstração na arte ocidental apareceu em 1910 na Europa com Kandisnky, e há muito tempo já se vinha fazendo na África, embora sem a intenção artística européia. Trata-se sem dúvida da pintura concreta européia com cores e aspectos africanos. Isso serve para a pergunta que já foi apontada em um post anterior: pelo fato de não terem a mesma intenção, os pintores africanos não são artistas como os europeus? Ou seja, é a intenção artística que torna algum trabalho uma obra de arte? Arthur Bispo do Rosário por não se considerar artista, o seria ou não? O trabalho artístico possui autonomia suficiente para dissociar-se de seu idealizador?
São perguntas que não querem calar... E algum dia conseguirei respondê-las... Novamente, ao invés da resposta, contentem-se com o site do artista.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

...neoplasticismo...

Um dos membros mais conhecidos do grande conjunto da arte concreta é o Neoplasticismo, de Piet Mondrian e de Doesburg. As telas neoplasticistas certamente são famosas pela sua composição regular, vermelha, amarela, azul, branca e preta, e muita gente as conhece, embora a maioria ignore o porquê dessa maneira de pintar.

Uma das características do modernismo é a procura da arte perfeita, do máximo da arte, que salvaria o homem enquanto ser emancipado pela razão. Diversos movimentos colocaram-se como inequívocos, messias das verdades pictoricas e artísticas. O Neoplasticismo não foi diferente: como o próprio nome revela, é um "novo plasticismo", um novo formalismo visual, que coloca-se como reinício de toda era artística, que se vinha decaindo e não mais representava as verdades humanas. Dessa maneira, convinha que se reiniciasse toda história da arte, começando do ponto correto para que se chegasse onde se deve. O meio de representação é abstrato geométrico pois não há forma mais pura que o quadrilátero. Não se aceita também as linhas diagonais, por causa da ambiguidade destas, e o mesmo para formas circulares e qualquer ângulo que não o reto, perpendicular à lateral da tela. As cores são as cores primárias, pois, além de serem estas que originam todas as demais, são primeiras cores identificáveis pelo homem. E esta etapa da arte seria temporária, pois chegaria a hora em que arte e vida fundiriam-se, sem haver mais separação aparente entre ambas. A figura ao lado é o desenho de um cômodo de casa projetada pelo arquiteto e designer Gerrit Rietveld, onde se pode observar que a identidade visual do movimento foi usado também nas artes aplicadas.
Pode-se observar que, apesar de toda racionalidade presente nas telas, trata-se de um movimento bastante espiritualizado, quase messiânico. E um dos mais intrigantes da história da arte moderna. Para conhecer mas sibre Piet Mondrian, confita o site em sua homenagem, com layout neoplasticista e tudo.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

...meticulosamente desalinhado...

James Siena é daqueles artistas que, sem conhecer um pequeno panorama da arte moderna, seriam indecifrável. Ainda atuante, o artista possui influências fortes e claras do expressionismo abstrato, da arte de rua e do minimalismo americano.

Essa tela, Global Key in Four Colors, de 2004, é uma boa escolha para análise. Possui uma ligação com a arquitetura, já que assemelha-se com uma cidade vista de cima, mas não deve ser lido dessa maneira. Sua relação com a arquitetura é mais racional que visual: sua tela é constituida de quadrados dentro de quadrados, subconjuntos do mesmo elemento. Possui uma linguagem formal que remete à repetição de sistemas: casas sobre casas, dentro de casas, acima de casas, multiplicadas, somadas, subtraidas, mas todas casas.
Observando-se atentamente, além de repetir-se um dentro do outro, os quadrantes são constituidos dos mesmos conjuntos de sistemas: numerando no sentido horário a partir do superior esquerdo de 1 a 4, o quadrante 4 é igual ao 1, espelhado verticalmente e horizontalmente. O mesmo os pequenos subconjuntos se repetem a cada quadro: um inteiro, a metade, a metade da metade, etc... Essa característica da repetição e da modulação pertence ao minimalismo americano, comentado brevemente no post sobre Flavin. Outro elemento que o liga ao movimento americano é sua rigidêz formal: embora feito com traços livres e desalinhados, o quadro é feito sobre uma rígida malha construtiva. Primeiro quatro, depois cada quarto em quatro, e assim por diante. Daí vem o nome do quadro: Global Key, como uma "Chave Global", numa tradução literal: o mundo constitui-se de sistemas e subsistemas, todos feitos da mesma "matéria prima" (o homem e suas inter-relações), sendo que isso pode ser estendido para outras áreas (arquitetura, cultura, biologia, citologia, etc...), sem acabar sendo simplista, pois se acaba dando bastante input para o pensamento.
Não existem sites em português sobre o artista, portanto, segue link para um artigo do New York Times.

domingo, 10 de fevereiro de 2008

...geometria orgânica...

Em 2007, uma exposição chamada "Da Bauhaus a (Agora)!" esteve no MASP, trazendo artistas influenciados pela escola de artes e arquitetura Bauhaus. Um dos artistas apresentados foi Adolf Richard Fleischmann (1892 - 1968), pintor que trabalhou por um período de sua carreira artística como Concretista, mas a partir de 1937, abriu mão desse rigor geométrico em prol de uma maior liberdade orgânica abstrata. Em 1952, deixa a Europa e se muda para os Estados Unidos, onde continua sua produção, até sua volta à Alemanha em 1965 até 1968, quando falece.

A obra "Sem Título (Cinza-Rosa)" (1955) é de seu período final, quando já na Alemanha. Mostra-se bastante relacionada à Geometria Construtivista, mas sem seu rigor de medidas e linhas retilínias. Sua tela possui um certo rítmo de formas inter-relacionadas semelhante a um quebra-cabeças, com peças, sempre com seis lados, que se juntam e se encaixam para a formação de um todo abstrato. Essa estrutura divide o quadro numa forma de cruz, separando o quadro em quatro partes. Num primeiro plano do quadro, no entanto, se destacam as linhas verticais pretas que exprimem certo volume, profundidade à tela, com um ponto de fuga no centro da mesma. O mesmo se observa em seu fundo, onde as formas "quebra-cabeça" confluem para o centro do quadro. Estabelecendo duas diagonais que cortam o quadro de canto a canto, se verifica uma redução das formas conforme se aproxima do centro da tela. Claramente, a proposta de Adolf não é a ilusão da perspectiva, já há muito "desprezada" pelos artistas abstratos, mas dar certo movimento à composição, tornando-a mais dinâmica. A paleta cromática da tela se reduz , a grosso modo, ao cinza, rosa, azul, e marrom para o fundo. A diferenciação entre cada peça se faz, mais do que por linhas fronteiriças, pela mudança de estruturas e texturas de seus conteúdos. A intercambiabilidade de cores, de preenchimentos, e da ausência de ambos forma a separação entre cada módulo da obra.

Para mais sobre o que foi exposto, visite o site do MASP sobre a exposição.


sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

...peles e aberrações...

Na exposição Sk-interfaces o visitante poderá conhecer até onde consegue "engolir" arte. Trata-se de uma exposição onde artistas criam aberrações com pele tanto humana quanto animal, em tecidos às vezes híbridos, ou enxertados, etc. Pelo tom da minha descrição é possível perceber minha opinião a respeito do que se está fazendo.

Com propostas fortes, a exposição choca o visitante. O modo como fazem suas obras, de certo modo brincando com a dinidade do corpo humano, é o que causa a repulsa dos que conhecem os trabalhos. Muito do que falam é bastante claro, mas a força de suas atitudes mesmo assim parecem desproporcionais.


Um exemplo do que se fará é a obra dos artistas Marion Laval-Jeantet e Benoît Mangin, que criaram um tecido híbrido de células humanas e suínas. Com o tecido tatuado com algum desenho, a obra se consuma com o enxerto de tais trabalhos no corpo do colecionador, para que este possa "vestir e absorver as obras". Ora, está claro que trata-se muito mais de uma crítica que de uma obra apreciativa, afinal aquele que resolver receber em si o tal tecido mostrará que coloca a arte acima do patamar que esta deveria estar: deixa de ser elemento para fruição, ou do pensar a vida, para tornar-se um "deus-arte". No mesmo sentido, porém diametralmente oposto ao que a exposição mostra é a adoração que se faz ao redor da Monalisa, de Leonardo DaVinci. A obra torna-se uma coisa que deixa de tratar do mundo, perde sua "função" de intermediário entre realidade objetiva e subjetiva para tornar-se fim de posse. Diviniza-se a tal ponto que deixa de ser saudável, e é o que acontece com esse mix humano-suíno. Chegar ao nível de aplicá-lo ao corpo demonstra total irresponsabilidade para com o mesmo e total irracionalidade. Eu diria que a obra se consuma sim no enxerto do tecido ao corpo do colecionador, mas não para se "vestir e absorver a obra", e sim para demonstrar a ignorância e insensibilidade daquele que a recebe, sem que se tenha consciência disso.
Para conhecer mais sobre a exposição, leia o artigo da BBC Brasil a respeito.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

...colchão...

Valeska Soares, mais uma artista nacional da década de 80 de expressão internacional, já expôs inclusive na Bienal de Venesa, uma das mais importantes exposições de arte, junto da Documenta Kassel e, quem diria!, da nossa Bienal de São Paulo, onde já expos também.

Nesse trabalho, exposto ano passado na Galeria Fortes Vilaça, Untitled, from After [Mattress I] , 2007 , da série After, é um dos trabalhos que bem mostram a direção e capacidade da artista. O material usado pela artista para o trabalho é o mármore, e é isso que faz o trabalho acontecer: Valeska brinca com a percepção do espectador. O olhar tátil deste o engana, dando aparência de maciez a algo que é duro. E o nome dado à série, After, nos faz intuir, pelas marcas no colchão, que o trabalho é como que resultado de algo feito anteriormente: after something, provavelmente, alguém deitar-se. Essas marcas são o que nos dá a impressão de uso, de fofura, de mole. Talvez o intuito da artista é justamente confundir o visitante, demonstrando que nem tudo é o que parece.
Outro ponto interessante é que esse material, o mármore, remete ao passado, às esculturas renascentistas que tanto impressionam as pessoas. O colchão esculpido pela artista de fato demonstra bastante habilidade pela semelhança que possui com a realidade. Chega a ser irônico um material tão nobre e uma execução tão bem acabada terem sido usados para talhar um colchão, e ainda um colchão usado. Mas se a artista usou um material nobre, e empregou tamanha habilidade, o que a difere das adoradas estátuas renascentistas? A arte estaria, portanto, no virtuosismo do artista, como muita gente acredita ao ver um belo quadro acadêmico, mas que nada fala? Ou a arte estaria no subjetivo, no algo mais além da aparência? Ortega y Gasset nos diz em seu livro A desumanização da arte que o homem deve procurar na arte o que ele não encontra na vida real. O que não faz parte do seu cotidiano. E não tem ele razão?

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

...sem título...

Nazareth Pacheco é uma artista da geração de 80, com uma linha de trabalho bastante característica, normalmente relacionado à feminilidade, beleza, e intimidade. Nessa obra, Sem Título, 2004, Nazareth cria uma escultura bastante icônica. Representando uma lâmina cortante, torna-se signo da dor, machucado, e sangue, esse último, mesmo que apenas imaginativo, é o ponto de contraste visual com o material da obra: o fluido vital vermelho forte contraponto-se ao transparente ausente da lâmina.
Talvez por isso apenas de se observar a obra, já se sente uma agonia, e uma retração natural frente aos objetos perigosos. É justamente isso que torna o trabalho de Nazareth tão grandioso: a demonstração da força que o símbolo exerce sobre o homem. Mesmo com um material visualmente puro, imaculado, com linhas fortes e bem acabadas, a idéia que passa é de seu oposto.
Para mais obras, visite o site da galeria Casa Triângulo.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

...diamonds...

O trabalho de Karin Lambrecht está sempre bastante relacionado ao gesto da artista, à ação, e à semântica da ação, e como Iberê, Karin busca seu próprio rumo através da pintura, vivendo cada fase que necessita ser vivida. Neste quadro, chamada Diamonds in the Sky, 1992 , 2,50 x 2,50m, Karin mistura materiais, como a tela, tinta, cordas, arame, e vidro no centro, localizado sobre um buraco na tela. Em um texto, a artista enumera diversas relações entre material e outros materiais, entre material e idéias, e finalmente idéias e idéias, ligando a superfície ao gesto, à textura, à ação. A transparência ao pensamento, energia, sonho, consciência. "Possibilidades: remodelagem da mesma massa, remodelagem do molde, a remodelagem depende da ação e a ação está sujeita à imperfeição (texto da artista sobre a obra)". Ao falar de remodelagem, pressupõe-se algo colocado como "modelo", "exemplo", etc., e seu questionamento pressupõe ação do pensamento sobre seu conceito. No entanto, ação física e ação mental sujeitam-se à experiência vivida e à imperfeição, marca intrínseca ao homem. Assim, suas obras não podem ser idealizadas: fazem-se pela ação, co-ação e reação do material, ambiente e gesto; mas podem ser pressentidas, enquanto parte da ação essencial da artista. Controle mais acaso. E nada disso é tido como ruim, afinal, uma ação por si, não é boa nem má, é apenas movimento e matéria.
Veja outras telas da artista.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

...cão/leão...


Raul Mourão é um artista nacional atuante desde 1991, com uma vasta gama de tipos de trabalhos, desde desenhos, esculturas, até video arte (acima), que é o assunto do post. Em seu site, Raul dá uma pista do que se trata o vídeo, e o disponibiliza para download integralmente. A análise que farei aqui é da versão do YouTube, portanto, uma versão reduzida, mas que pelo fato de estar inserida num contexto diferente (no caso, no maior site de Vídeos do planeta), ganha levemente um algo a mais. No entanto, o que está escrito aqui são impressões minhas, não quer dizer que o autor os tenha formulado, nem queira dizer dessa maneira.

O vídeo possui cerca de 3 minutos, que são três minutos de uma perseguição a um cão que, claramente, se sente... atormentado pela fimagem. Possui um quê de Paparazzo, afinal o take é feito mesmo contra a vontade do cão, e publicado num site onde é observado despudoradamente por quem quiser assistí-lo, e quantas vezes quiser. Assim, como é colocado pelo artista, tem seus 15 minutos de fama, embora não o pareça querer, chegando a, com um ar de famosidade, ameaça atacar o responsável pela filmagem. A crítica está justamente àquele que filma e àquele que assiste. O cão não tem culpa: vive como aprendeu, e queria continuar como estava. Embora personagem de histórias, famosas ou não, não quer alguém no seu encalce.


E por estar postado no Youtube, misturado a milhões de outros vídeos dos mais diversos gêneros, deslocado de onde se espera por encontrar arte, ou seja, num museu ou galeria, vem a pergunta: para alguém que o visse sem querer, navegando a esmo, seria possível identificá-lo como obra de arte? Afinal, o que faz algo ser uma peça artística ou não? É seu lugar de exposição? É seu conteúdo? É se seu autor o afirma como tal? Num mundo como o de agora, onde as mídias se confundem, e é possível de as acessar a cada momento de qualquer lugar, como distinguir um trabalho de arte de algo que não é? Esse tema é colocado por Nelson Leirner em seu trabalho Jornal do Não Artista, 2007, também da exposição Futuro do Presente, e é um grande debate no meio artístico contemporâneo.

Apesar das indefinições, o pensar sobre o trabalho já traz uma série de benefícios e tanto. Vale também conferir o blog do artista para conhecer mais sobre o que ele pensa e outros trabalhos.