terça-feira, 22 de julho de 2008

...realidade cinematográfica...

Esse será meu primeiro post sobre cinema. E talvez seja o último, porque não costumo ver muitos filmes (em torno de 1.5/mês... Uma média deplorável!).

"Sonhos Com Shanghai ", do diretor Wang Xiaoshuai, é um belo filme de fato. Exibido na mostra de cinema contemporâneo chinês do Centro Cultural São Paulo, é daqueles que impressiona e arrepia até o último fio de cabelo. Aqueles que esperam golpes marciais, ou surrealidades, esqueça. É um filme da vida real.
E é simplesmente isso que ele é. Construído numa história forte, dramática, agoniante, leva o espectador a pensar na vida cotidiana, nos pequenos atos que levam a outros pequenos atos, que ocasionam outros, os quais por sua vez, mudam uma vida. Impressionante, simplesmente. Ao término do filme, não se sabe o que dizer. O coração pesa, almeja por descarregar-se, mas não há o que falar. E, talvez sendo esse o maior mérito do filme, não há quem culpar. Essa é que é a verdade. Na vida não há culpados. Não há carrascos. O que há são justamente pequenos atos que levam a outros pequenos atos, que por sua vez desbocam em acontecimentos extraordinários (para bem ou para mal). E todos experimentam isso todo dia, a cada momento. Justamente essa inculpabilidade é que faz do pós-filme um verdadeiro sofrimento de indecisão e uma obra de arte de altíssima qualidade.
Aqui, link para a sinópse do filme.

domingo, 13 de julho de 2008

...a voz como instrumento...

Este post foi um amigo meu, Gabriel Garbulho, que escreveu a meu pedido. Deleitem-se!

“Que coisa mais estranha é ver toda uma espécie, bilhões de pessoas, ouvindo padrões tonais sem sentido, brincando com eles, absortas, arrebatadas durante boa parte do seu tempo pelo que chamam de música”

(Oliver Sacks)


"Quando o Eduardo me pediu um artigo sobre “A voz como instrumento”, foi inevitável para haver uma maior familiaridade com o tema, que primeiro expusesse a música de forma a poder ser racionalizada como a arte em geral, ficando mais próximo do mundo dos leitores do Digerindo Arte. Agora sem mais expicações.

Apesar do caráter científico da pesquisa de Oliver Sacks (ele é neurologista), esta frase de início vem embebida de uma visão poética e esclarecedora. A música é a forma mais livre e direta de arte, pois só requer ao espectador a sua faculdade física básica para apreciação: o ouvido. Enquanto as artes plásticas (em especial após o modernismo) trabalham essencialmente com o intelecto e as referências, o som, por si só, diz a que veio.

Não ignoro que as referências culturais e a própria história pessoal acabam por pender para um ou outro estilo e diferentes apreciações, mas fato é que ouvimos o que instiga diretamente a nossa emoção. E é a intangibilidade emocional, o invisível preenchedor a pauta do dia.

A música instrumental é a pura essência do que foi comentado acima. Ela não está embutida de um texto, uma mensagem que utilize o entendimento literário, sendo os padrões tonais o alfabeto, e a harmonia responsável pelas orações. O grande trunfo de um bom instrumentista é criar sinestesias dentro dessa gramática, fazer o som ter tato, trazer imagens por mais que sejam abstratas, refletir sensações involuntárias. O sabor de um grande instrumentista é transparecer sua energia sem aparecer, o seu toque e o instrumento reverberam essa aura no teatro (um ótimo lugar para entender do que eu falo) ou mesmo em um estádio ou na sala da sua casa.

A voz por princípio é um instrumento, embora no meio musical isto nem sempre tenha seu devido reconhecimento. “Cantar é mover o dom do fundo de uma paixão, seduzir”, definiu Djavan em sua música, que é exatamente o dever de todo e qualquer instrumentista.

A voz tem todo o poder do corpo. Cantar é mover o dom por todo o aparelho respiratório, é modular com a língua e os dentes, é dar volume, controlar o peso. Também se espalha pelos membros que gesticulam, pelo rosto que se contrai, e tudo isso modifica e dá propriedade ao som, mesmo que não vejamos a imagem de quem canta. O cantor tem o instrumento mais completo e o mais emocional.

Estava com o Eduardo no carro e ambos ficamos absortos (parafraseando Oliver Sacks) ao ouvir o primeiro tema do LP “Minas”, cantado por Milton Nascimento. Não havia letra, não havia mensagem, havia uma aura se espalhando por um falsete que evocava imagens, no meu caso nostálgicas, mas de um passado divino, como uma sacralização das coisas simples. Um choro puro, vindo de um interior longínquo, um batismo de toada.

A voz enquanto instrumento evoca o abstracionismo de um action painting: marca consigo o gesto, dentro da delimitação da tela (assim como o campo harmônico o faz com os improvisos). Um bom exemplo e também próximo da realidade da música popular é The Great Gig in the Sky, faixa da obra-prima "The Dark Side of the Moon" do Pink Floyd. O solo vocal é cortante, entra em um momento ápice, e imprime toda a potência da canção negra. Uma mulher transloucada quer ocupar todos os espaços como água quando entra no copo, perde a estribeira e transborda em poder. Seu solo é mais aterrador do que qualquer camada de guitarra gravada pelo também monumental David Gilmour, traz um corpo em ebulição que é mais capaz do que a distorção no instrumento. É impossível manter-se alheio a um grito de desespero.

Existem exemplos mais racionais como Ella Fitzgerald, embora a graça do seu improviso esteja no quebrar de suas métricas e no charme de seu timbre. O corpo ali é também elemento ativo e portanto há essência.

Termino este artigo lembrando Gal Costa quando dizia que Cássia Eller era perfeita porque soava como um instrumento: sendo um solo vocal ou uma melodia acompanhada de poesia, o grande vocalista é aquele que o faz por todos os poros. Não é uma questão de interpretação mas de incorporação, que vai ser o resultado esperado de quando este som chegar ao ouvinte. E o quê nas artes plásticas teria paralelo à esta incorporação? Agora quem traz as respostas são vocês".

Gabriel Santos Garbulho – 13/07/2008

terça-feira, 8 de julho de 2008

...plano linear...

Aprendemos no colegial que um ponto é uma cordenada no espaço, e que uma linha é um conjunto de pontos. Toda essa teoria torna-se prática no trabalho de Edith Derdyk, artista que trabalha com linhas de costura como material de suas obras.

Uma breve passagem pela biografia da artista demonstra uma forte inclinação ao desenho. Os trabalhos aqui apresentados são como que a materialização literal de um desenho, onde o traço torna-se linha, tensionada e reta, no entanto, expressiva e flexível. Vemos na obra ao lado, Corte, 2002, uma chapa lisa e quadrada sendo erguida e suspensa por uma quantidade infindável de metros de linha, quantidade que sempre ultrapassa os milhares de metros e dias de trabalho. A tensão explícita nos barbantes negros, bem como a superfície branca a que se prendem, meio que criam um diálogo com um desenho a nakin, só que ao invéz de a folha sustentar o traço, a cor, é justamente o oposto, sendo a linha que sustenta o suporte. A linha, o traço, o rastro, é que dão sentido à existência do plano imaculado. E como impressiona o jogo de tensões a que a obra se submete e submete o observador, que teme e evita aproximar-se, com medo de algum acidente. A obra e seus sígnos aparentes acabam ditando um modo de reação a que o espectador impreterivelmente acaba por se submeter.
Em outro trabalho, Rasuras III, de 1998, encontra-se novamente a confirmação da formula geométrica colegial. Uma linha é formada por infinitos pontos, e um plano é formado por infinitas linhas. A artista objetiva o ato, rasura o espaço, criando um plano estático e mutante, que se revela diferente e estimulante a cada posição que o observador focaliza a obra. E no miolo, no núcleo do turbilhão de traços, como que se observa uma curva das linhas, enroladas, a esconder algo, propósito próprio do ato "rasurar", que tenta inutilmente esconder algo que não se quer mostrar. São vetores da tensão espacial, compostos um a um, articulados e amarrados individualmente, com a mesma importância da composição final: cada um deles mostram-se fundamentais à essência da obra.
Aqui, link para mais algumas imagens impressionantes.

quarta-feira, 2 de julho de 2008

...acontecimentos artísticos...

Serão dois os artistas de hoje: Eduardo Srur e Brígida Baltar.


Brígida Baltar é uma artista que apresenta ao observador momentos comuns. São ocasiões cotidianas, como ações inusitadas. O trabalho ao lado chama-se A Coleta da Neblina, de 2000. Sua ação é coletar pontos de neblina, e, não só guardá-los, mas colecioná-los, uma vez que realiza essa performance desde a década de 90. A poesia está na simplicidade do ato. Ao se coletar um punhado de ar, e armazená-lo numa coleção, perpetualiza-se o momento como numa fotografia. A obra, no entanto, não encontra-se nos frascos ou nas fotos, essas são apenas índices desta. A obra é a ação da artista. A simples ação de fugir da estrada cotidiana e embrenhar-se por uma vereda paralela, mas muito mais interessante. O momento é quase que catártico, pois trata-se de um acontecimento extraordináriamente simples. Magnanimamente pequeno. E, o mais importante, ao alcance de todos.

O segundo artista é Eduardo Srur. O trabalho ao lado chama-se Sobrevivência, 2007, e muita gente deve se lembrar dele. Trata-se de uma intervenção urbana , como a maioria dos trabalhos do artista,feita no centro da cidade de São Paulo que de forma inusitada apresenta ao transeunte uma visão surreal e cômica, inesperada no contexto urbano, ou em qualquer outro. Estátuas fundidas, com figuras altivas, gloriosas, com coletes salva vidas no pescoço.


A mensagem é bastante clara, talvez por ser divertida. Deixa de tal forma o observador inquieto e atordoado que o força a pensar no evento.

Agora, porque a escolha desses dois artistas? Qual a semelhança entre eles? Como explicita o título do post, são ambos acontecimentos artísticos. Enquanto a proposta de Brígida é mais íntima, mais de ação, de transformação, a obra de Eduardo é coletiva, surpreendente, chocante, e reflexiva. Mas ambos são acontecimentos, que propõem mudança, e que só podem ser registrados por fotos ou filmagens, mas nenhum dos dois modos pode superar o modo mais antigo e fácil de armazenar fatos, que é a lembrança. A impressão que só acontece no momento em que se observa e vive o fato, que nenhuma mídia pode passar, é a idéia central de um acontecimento desses. Não sei dizer se chegam a ser happenings, mas o fato é que, por se tratarem de ações localizadas no tempo e em espaço determinado, são únicas, e pessoais.

Aqui o link para mais obras e ótimos textos de Brígida.
Aqui, link para mais trabalhos de Eduardo Srur.