terça-feira, 9 de dezembro de 2008

...espaços cheios/vazios...

Encerrou sábado agora, dia 06/12, a 28a Bienal de São Paulo, uma das mais controversas exposições dos últimos tempos pela abordagem dos curadores, e a decisão de deixar vazio o segundo andar inteiro do prédio projetado pelo Niemeyer.
Mas como já comentei essa parte num post passado, aqui colocarei as minhas impressões após visitar a Bienal. Visitei a tempo de ver a bela performance Maurício Ianês "A Bondade de estranhos", que também causou certos comentários por aí a fora (muitos infelizmente mais focados na sua nudez inicial do que na sua atitude completa). O artista em suas performances normalmente foca no ponto da comunicação humana, mas nessa obra também é possível encontrar certa ironia social. O artista passou 2 semanas completas apenas do que recebeu das pessoas, e apesar de em determinado momento ter passado mal e vomitado, o "saldo" do que recebeu é bastante impressionante. Basta dar uma olhada nas fotos. A ironia está na pergunta: o que faz com que um artista que não corre perigo de vida algum (ele poderia desistir a qualquer momento, e pensou em vazê-lo) receba tantas doações para sua sobrevivência enquanto diversas pessoas morrem de fome na rua? Esse ponto me chamou bastante a atenção, até mesmo pelos depoismentos de pessoas que conversavam como Maurício, que lhe confiava segredos, que choraram, etc. Essas pessoas fariam o mesmo com um morador de rua? Esse certo grau de hipocrisia (que não pode ser generalizado) aponta para certas diferenças contextuais que se fazem bastante interessante, nos fazendo perguntar o por quê disso. Será um certo grau de "humanidade" no protagonista, coisa que não aparentaria haver num morador de rua, ou o local (uma exposição de arte), ou qual será?
Outro trabalho bastante bom também foi o do Iran do Espírito Santo (já falei dele em post passado também). A obra chama-se "Buraco de Fechadura", e data de 1999. Influenciado pelo movimento minimalista, aqui o artista trabalha com a questão espacial, lançando mão de uma das características do material utilizado, a reflexibilidade, para criar a ilusão de um ambiente interno a ele. O nome "Buraco de Fechadura" é como uma ironia ao resultado da obra. De longe, ela aparenta uma fenda na parede, mas na medida que nos aproximamos, seu caráter tridimensional se revela, bem como o ambiente reflexo, que na realidade é o próprio entorno do observador. A possibilidade de exploração do "além-parede" que uma fechadura normalmente possibilitam se mostra fracassada, revelando apenas a realidade do próprio observador, apresentada de maneira distorcida, nova a ele. Ele pode apenas observar o que já conhece, apenas de forma nova.

Outros trabalhos também se mostraram interessantes, como as máquinas de escrever que apenas escreviam pontos, ou os vídeos das performances da artista Marina Abramovic, e outros vídeos que se locavam no térreo da exposição. Outros trabalhos se mostraram simplórios, superficiais, por demais datados e auto-referentes, que não me pareceram relevantes o suficiente pro contexto, mesmo que pensados para ele. É o caso do trabalho da Valeska Soares (artista também já comentada aqui, embora daquela vez ela tivesse feito um trabalho bastante melhor), que colocou próximo à entrada da exposição um amontoado de letras em papel, todas sobre um grande tapete representando a capa do catálogo da primeira Bienal de São Paulo. A artista pegou o parágrafo introdutório do catálogo, pegou suas letras, as embaralhou e amontoou por sobre ele, como se estas estivessem "fugindo" dele, para uma nova avaliação do que seria essa bienal, uma nova leitura a ser feita. De fato, é essa a proposta da bienal em si, uma releitura do formato bienal, etc., mas a obra em si não possui força, chegando a ser literal demais, sem um elemento "surpresa", apenas uma figuração do conceito dos curadores. E é nesse ponto que peca. Fora que, a meu ver, esses trabalhos "encomendados", que não partem do artista diretamente, mas são feitos sobre certo pedido, são sempre inferiores se comparados à produção inerente ao próprio artista. Enfim, essa é uma visão que poderia ser discutida, trata-se apenas de uma impressão que tive.

Há outros trabalhos bastante bons, mas como o post já se prolonga, gostaria apenas de terminar comentando a exposição em si. Esse vazio colocado no meio da exposição, funcionando como uma quebra, pois o visitante vem de um andar com obras e ao passar para outro, não possui nada, só podendo encontrar mais no terceiro andar. Ou seja, esse andar foi passagem obrigatória. Eu aceito a idéia por detrás dele, mas não a justificativa "espacial" apresentada pela curadora, de observar o espaço projetado por Niemeyer no seu estado puro, a luz entrando no prédio etc. Essa é uma tentativa falha de conceitualização sobre algo, ou mesmo de justificar esse algo, e muito forçada. Se o vazio é o ponto de apoio, que seja ele, não chamemos a atenção para o espaço. Vazio é vazio, e a metáfora se fez muito bem, não precisando de mais explicações. E assim como essa explicação, grande parte da exposição também se mostrou precária. Descuidos de montagem, de locais usados, de pensamento expositivo, improvisos, falta de acabamento, etc. dominaram essa bienal. E esse descuido também causou uma péssima impressão naqueles que já não entendem o "linguajar" da arte contemporânea, afastando-os mais ainda de tentarem entendê-la.

No entanto, o saldo ainda me parece positivo. Quem não foi, perdeu. Quem foi e estagnou na questão do espaço inutilizado, também (e não na questão que ele explora). Assim como aqueles que pararam no nudismo do artista, ou no acabamento medíocre da exposição. No resto, valeu a pena. Torçamos apenas para uma melhor organização daqui a dois anos, para que esses pontos se solucionem.