terça-feira, 24 de março de 2009

...cor e realidade...

A postagem passada foi a de número 60... Nem percebi para fazer algum tipo de comemoração ou coisa que o valha... Tudo bem, vamos esperar pela centésima.

Voltando às artes plásticas, me deparei hoje com a obra de uma artista bastante instigante em parte de suas obras, e bastante poética em outra parte. Chama-se Tatiana Blass. Essa divisão arbitrária de minha parte vem a coincidir em outro ponto: a parte instigante corresponde a intalações e esculturas, a parte poética a pinturas, e tentarei apresentar as duas nesse post, mas farei diferente hoje: gostei tanto do seu trabalho que colocarei mais imagens no final (além do link para seu site) além das que decidir comentar.

As telas de Tatiana Blass são bastante interessantes quanto ao uso da cor, e da possível figuração dentro de uma abstração bastante geométrica. O trabalho ao lado chama-se "Paisagem-estampa", 2004, e chama a atenção pelo colorido usado pela artista para sua construção. Em conjunto com o nome, podemos claramente localizar a paisagem nominada pela artista, com um fundo de arvores, arbustos, uma leve névoa, com a parte inferior remetendo a algum tipo de chão, pode ser cimentado, pode ser um lago noturno, etc. A combinação cromática está perfeitamente equilibrada, com a massa cinzenta inferior e suas manchas escuras contrapondo as 5 variações de verde presentes na parte superior. As massas também com essa leve geometrização bastante orgânica ajuda nesse sentimento de natureza encontrado no nome que a artista dá a sua tela.

Neste outro trabalho, já do seu lado instigante, "Globo da Morte" de 2008, chama a atenção pelo movimento que o simples deslocamento de parte da moto invoca, e essa continuidade de tubulações douradas trabalhando como um spectro da aceleração do veículo, embora estranhamente a parte posterior tenha ficado parada. O Globo da Morte é aquela esfera de arames com um grande diâmetro onde motociclistas aceleram suas motos até que fiquem girando em qualquer sentido (vertical, horizontal), desafiando a gravidade com as propriedades da própria física a que esta faz parte. O paralelo desse tipo de apresentação com a obra está justamente na posição do fronte da moto, subindo pela parede, acelerando e quebrando com a mais básica lei da realidade. O encurvamento das tubulações dialogam com as pinturas da artista quanto a sua organicidade.

Outros trabalhos da artista podem ser vistos em seu site, mas tive o trabalho de recortar alguns bastante interessantes para que o leitor possa fruir deles agora mesmo.





















1. Cauda (móveis), 2005




















2. Zona branca (Lustre), 2007


3. Páreo, 2006 - Escadaria do Paço das Artes, Cidade Universitária

terça-feira, 17 de março de 2009

...o fim da arte...


No começo desse ano, comprei uma revista que me trouxe um artigo curioso. Intitulava-se "O fim da arte", e eu pensei "Poxa! Mais um?". Esse, na essência é igual a todos (ou quase todos, já que para Arthur Danto, o fim da arte é a simplesmente a arte contemporânea, o que para ele é muito bom), mas bate em outras teclas. O artigo é de Roger Kimball, crítico de arte, e sua tadução de Cristian Clemente, licenciado em Letras pela USP.

Um dos pontos onde Kimball bate insistentemente a tecla é na ausência da beleza na arte de hoje, bem como a importância da religião para a arte como um todo, e que sua falta traz consequências (olha o novo português aí, gente!) graves, e uma delas eu concordo, que seria o endeusamento do artista, que acaba superior aos demais, e junto disso desproporcionalidades, como as centenas de milhões que Damian Hirst ganhou em seu último leilão (Kimball pelo jeito o detesta, eu até que gosto, há o que se pensar em sua obra, mas certamente não vale tudo isso).

Ok, compreendo o que escreve Kimball, mas não posso concordar. Primeiro porque a beleza não é apenas visual (prometo estudar essa parte mais a fundo, mas se não me engano, na concepção clássica de beleza há três pontos que se deve levar em consideração, os quais não me recordo agora). Encontramos beleza, por exemplo, na literatura, ou na música. E onde estaria o problema de a arte lançar mão de conceitos para fazer artes plásticas? Indo mais longe, podemos afirmar com bom grau de certeza que uma arte sem conceito é vazia, pura superficialidade que mal pode ser chamada de arte, por mais apurada que seja a técnica do artista.

E esse é um ponto interessante. Em geral, as pessoas procuram ver na arte a realidade a que estão acostumadas. Ortega y Gasset, em seu fabuloso livro A desumanização da Arte, nos coloca justamente isso: As pessoas "compreendem" a arte figurativa porque se assemelha a sua vivência cotidiana, o que é um erro. Escreve:

"Para poder deleitar-se com o retrato equestre de Carlos V, de Tiziano, é
condição ineludível que não vejamos ali Carlos V em pessoa, autêntico e vivo,
mas sim em seu lugar devemos ver apenas um retrato, uma imagem irreal, uma
ficção".

Isso permanece válido ainda hoje. A metáfora é, portanto, intrínseca à arte. Falar de algo por meio de sígnos é parte dela, e a ausência desse ponto faz com que o objeto deixe de ser arte para ser ele mesmo (aqui um leitor assíduo do blog, se é que existe, pode me questionar a respeito do Minimalismo, o qual colocava sobre si que "what you see is what you see". Falarei sobre isso num post seguinte).

Quanto à religião, Kimball mesmo parece dar uma resposta ao que escreve:

"Não existe uma arte particularmente católica,afirma Jones [David Jones, poeta
católico do século XX], tal como não existe "uma ciência hidráulica católica, um
sistema vascular católico ou um triângulo equilátero católico". (...) Auden pensava da mesma maneira:(...) Apenas o que pode haver é um espírito cristão, segundo o qual um artista ou cientista age ou não"."

A religião é um dos aspectos humanos entre outros (embora possa ser tido como um dos mais importantes, já que rege todos aspectos internos e externos do agir do homem), e o livre arbítrio do homem permite que se o leve em consideração ou não. Entretanto, os pontos essenciais do homem ainda permanecem, e todos temos o que dizer, portanto, material para realizar uma ação artística. Inclusive, a arte não religiosa é índice de uma cultura também rica, e passível de análise da sociedade e seu tempo.

Além disso, não há porque tentar reduzir tudo a dois pontos de vista, unificar todos os desejos artísticos sob os rótulos de "arte religiosa" e "arte não religiosa", já que a realidade é muito mais rica que apenas esses dois pontos, e as nuances que existem entre um extremo e outro não podem ser deixados de lado, e menos ainda forçados a permanecer por debaixo desses dois títulos.

O problema do artigo de Kimball é que ataca para todos os lados, sem apresentar exemplos palpáveis do que fala. David Sylvester, por outro lado, é bem mais claro nesse ponto. Observe o texto a seguir:

"Não se há de negar que posso atribuir ao indivíduo de cultura média as noções de
que a arte do século XX é: I)produto de indivíduos isolados que deixam de dar
expressão à consciência e aos gostos da sociedade como um todo; II)
hiperespecializada, desprovida da amplitude e da complexidade do que veio antes,
propensa a sacrificar importantes atributos da arte para poder desenvolver
obsessões tacanhas até níveis extremos; III) por demais preocupada, em sua
autoconsciência, com questões de estilo e com a obtençãod e originalidade. Tudo
isso vem ao caso, e o que se pode dizer a respeito é o seguinte: em primeiro
lugar, a arte do nosso tempo pode não ser muito boa se comparada com o
supra-sumo, mas foram suas próprias limitações que a fizeram dar uma
contribuição singular para o corpus da arte (e isso é assumir que a
singularidade é uma qualidade necessariamente valiosa); em segundo lugar, as
limitações da nossa arte refletem certas fraquezas da nossa sociedade, e, se a
nossa sociedade fosse diferente, nossa arte poderia ser melhor. (...) Se dizem
que o último Rothko não é um quadro tão bom quanto um Monet, isso não é uma
condenação de Rothko, mas uma definição de arte"."

A contribuição nesse trecho que Sylvester nos fornece é muito maior do que a do artigo completo de Kimball. O próprio Papa João Paulo II escreveu em sua carta aos artístas: "...a História da Arte não é apenas uma história de obras, mas também de homens", e se poderia escrever que a própria História da Arte é a História dos Homens, e merece ser contada.

segunda-feira, 16 de março de 2009

...ainda não...



Queria ter escrito sobre esse filme a mais tempo, na verdade, pois já o perdi um pouco na minha fraca memória.

O último filme da carreira de Akira Kurosawa, "Madadayo". É realmente brilhante, e um belo fecho de carreira! O filme trata de um professor e escritor e de seus últimos 17 anos de vida, que celebra seu aniversário numa espécie de ritual de pré-passagem para a outra vida: seus antigos alunos o perguntam "já está pronto?" (Maddha Kai?"), no que ele responde após beber um grande copo de cerveja "Madadayo!" ("ainda não!").

Entre os aniversários, o filme apresenta o desenrolar desses últimos anos, o amor e veneração de seus alunos por ele, o amor entre ele e sua mulher, o apego a um gato (que poderia durar menos tempo no filme...), passando por momentos engraçados (como se livrar de ladrões), comoventes (o discurso do aluno jovem no início do filme) e encantadores (as cenas finais). É um filme bastante longo, que como a vida do professor, insiste em não chegar ao fim, ainda bem, pois nos surpreende pela riqueza a todo momento...
Aqui, uma resenha do filme por Roger Ebert, e um site em homenagem ao diretor.

...som na esquina 2...

Porque se chamava moço
Também se chamava estrada
Viagem de ventania
Nem lembra se olhou pra trás
Ao primeiro passo, asso, asso
Asso, asso, asso, asso, asso, asso

Porque se chamavam homens
Também se chamavam sonhos
E sonhos não envelhecem
Em meio a tantos gases lacrimogênios
Ficam calmos, calmos
Calmos, calmos, calmos...
E lá se vai mais um dia...

E basta contar compasso
E basta contar consigo
Que a chama não tem pavio
De tudo se faz canção
E o coração na curva
De um rio, rio, rio, rio, rio
E lá se vai...
Mais um dia...

E o rio de asfalto e gente
Entorna pelas ladeiras
Entope o meio-fio
Esquina mais de um milhão
Quero ver então a gente, gente
Gente, gente, gente, gente, gente
E lá se vai


Continuando a postagem anterior sobre o Clube da Esquina, transcrevo aqui a letra da música do vídeo, de Lô Borges, Clube da Esquina 2. Não faz parte do primoroso album abaixo comentado, mas é a versão letrada da música de mesmo nome. Também de extremo valor artístico.

Quando comecei a ouvir o disco, sabia da existência dessa versão, mas não quis ouvir, pois para mim a perfeição daquela música instrumental era tal que qualquer letra a rebaixaria, mas, depois de mais de 2 anos, isso se mostrou o contrário: a letra está no mesmo nível da primeira versão.

E o sentido nela é tão forte que para mim se mostra numa temática diferente da anterior: enquanto aquela, como comentei, representa o conceito basilar de felicidade, esta se mostra como a concisão do desenrolar da vida. Extraordinário!

Logo nas primeiras palavras, já encontramos essa grandiosidade: "Porque se chamava moço/ Também se chamava estrada/ Viagem de ventania". A juventude como caminho, como trecho da vida que se volta para certos pontos. E não como uma brisa, que areja, que esclarece, mas como uma ventania, que por ser mais forte, arrasta e transforma o lugar por onde passa. Movimenta o redor e quebra a inércia da estagnação.

"Porque se chamavam homens/ Também se chamavam sonhos/ E sonhos não envelhecem": a imaginação, como ouvi certa vez numa palestra, é a imagem em movimento, e o sonho é justamente a apropriação desse imaginar em prol de um ideal, inconsumível (E basta contar compasso/ E basta contar consigo/ Que a chama não tem pavio), portanto, requisito primário para a mudança, qualquer que seja. Sonhos levam a ações, e bons sonhos em ação são as ditas ventanias. Bagunçam com mais de uma vida, reorganizam as metas de mai de uma pessoa (E o rio de asfalto e gente/ Entorna pelas ladeiras/ Entope o meio-fio).

Aqui, link para o site oficial do Lô Borges e para seu MySpace.

Só acrecentaria uma coisa na música, mas que na verdade poderia ser suprimida, já que óbvia:

"E lá se vai.../ Mais um dia..." feliz...

ps.: depois de escrever esse post, estava tomando banho um dia de manhã e percebi que a música pode ter certa conotação política tbm, já que escrita em 1978, em plena ditadura. Há alguns trechos que se fazem mais claros nesse contexto, como "Em meio a tantos gases lacrimogênios/Ficam calmos, calmos", e o trecho seguinte "E lá se vai.../Mais um dia..." deixa de ser alegre para ser pouco mais ressentido, como um dia perdido, e que não houve mudança alguma. Para uma interpretação do período, acho muito boa a letra, mas minha análise acaba tornando-se mais atemporal, contemporanizada, acredito que sem fazer a música perder muito de si. Num sei, impressões minhas... Digam depois o que acham.

terça-feira, 10 de março de 2009

...som na esquina...

Mais um post musical. Não, não estou perdendo as raízes, na verdade, voltando a elas, já que a idéia era falar não só de artes plásticas.
Clube da Esquina é para mim o melhor disco brasileiro de todos os tempos. Sem dúvida alguma. Fui apresentado a ele pelo Gabriel Garbulho (aquele do post Voz como instrumento, mais abaixo), e fiquei ouvindo-o diariamente por mais de 6 meses, ate que meu estágio não mo permitiu mais.

Mas cada vez que ele toca, é algo magnânimo. Nas próprias palavras do Gabriel, "é um disco indigesto". É extremamente seco, não possui grandes devaneios instrumentais, mas apenas pontos precisos, focados numa musicalidade bem brasileira (ou para ser mais exato, mineira). A capa do disco já é de tirar o fôlego, levando-se em conta que foi a primeira aparição de Lô Borges (com apenas 17 anos!) junto de Milton Nascimento (já internacionalmente consagrado). Não há nada escrita na fronte, apenas esses dois garotos sentados na beira da estrada, esperando sabe-se lá o que, mas conscientes do mundo e daquele que os fotografava. O leve riso do pequeno contrasta com a carrancudice do maior, bem como seus tons de pele, bem como a voz de Milton Nascimento e de Lô Borges.

E de todas as músicas, apenas uma foi composta por ambos: Clube da Esquina nº2.

A 11ª de 21 faixas é a música que divide o album em dois, e é a mais bela de todo o disco, mesmo sem letra alguma (e olha que nele encontramos músicas do nível de Trem Azul e Paisagem da Janela): para mim, é o conceito e resumo do que é alegria.

Um arrastado violão em Dó no fundo,
uma leve percusão,
um claro chocalho,
e acima de todos,
duas vozes cantarolando em uníssono: Milton e seu Violão...
Nada mais...




Acima, a versão letrada da música na voz de Lô Borges.

Aqui, link para o site do Milton Nascimento, com um trecho da música.


ps.: domingo agora, dia 19 de abril, tive a enorme honra de assistir no sesc pinheiros ao show do Lô Borges especial Clube da Esquina, tocando com uma participação mais do que especial de Milton Nascimento... Não tenho palavras...

segunda-feira, 9 de março de 2009

...ano novo?...

Pois é... mais uma vez aquele veemente desejo de ano novo de mais posts se vai pelo ralo... (Mas devo confessar que é por estar com muitos trabalhos para fazer! E isso monetariamente me agrada, e tambem culturalmente, pois vários me fizeram crescer em alguns pontos. Usarei em breve um deles para aplicá-lo numa análise artística. Design e arte ainda caminham lado a lado, embora não mais de mãos dadas).