segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

...clara afirmação...

Perdi a data mais importante do ano para o blog: seu aniversário... Isso mesmo, dia 22 de janeiro o digerindo arte fez anos! Na verdade, fez "ano", já que completou um ano no ar. E com esse um ano, gostaria de postar algo sobre um artista do qual gosto muito, e que por sinal, é dos que mais ouço falar mal por aí. Trata-se de Robert Ryman.

Da história do artista, sei pouco, mas o sr. leitor pode encontrar na internet em qualquer lugar. Aqui, gostaria de falar de seus trabalhos (aparentemente, ambas coisas, vida e obra do artista, podem ser desvinculadas em certos casos. O que não pode é o período no qual produziu, pois, como diria Ortega y Gasset, "eu sou eu e minha circunstância", e isso diz respeito da mesma maneira aos objetos e sua essência signica).
A característica que mais marca sua obra, e mais causa certa aflição aos que não o compreendem, é o fato de pintar apenas com tinta branca. Anos e anos de produção artística bastante extensa, apenas com tinta branca, no máximo com certas variações dessa, ou com o fundo do suporte no qual se encontra, mas, no fundo no fundo, branco. A pintura ao lado é um exemplo disso. Uma combinação de branco puro com branco levemente acizentado, mas que mesmo assim, ninguém teria o desdém de rebaixá-lo de branco a cinza. São muitas as telas que desenvolve dessa maneira, sempre com essa temática.

Podemos encontrar certa referência na célebre obra de Malevich, "Quadrado branco sobre fundo branco", no qual, pouco após abrir seu movimento Suprematista com o quadrado "Quadrado preto sobre fundo branco", quebra novamente com o figurativismo e dessa vez também com o formalismo geométrico que ele mesmo criou, de forma a utilizar a cor em si, e sua interação com o ambiente (Moholy-Nágy diz que a variação da tonalidade dessa tela se faz pela mudança de sentido da pincelada, e consequentemente , com a incidência da luz sobre essa). Mas aqui, o problema é outro, diferente do de Ryman. No caso de Ryman, este procura através do mínimo necessário expor ao observador a complexidade inerente à pintura. Por utilizar apenas o branco, consegue mostrar-nos uma infinidade de possibilidades da tinta junto à tela, e consegue assim quebrar com a monotonia que estaria ligada à sua produção.

Mas sua produção não é simplesmente experimental dessa maneira, como um catálogo de possibilidades. Há, pelo contrário, bastante poesia em sua produção. É interessante, por exemplo, observar que o uso do branco não remete de maneira alguma à "ausência", mas justamente à "presença". A ausência seria o não ver, a inexistência, uma cegueira, onde o mundo luminoso simplesmente não está alí, como no romance "Ensaio sobre a Cegueira", de Saramago. Também na trilha sonora que Bjork fez ao filme "Dancer in the Dark", de Lars von Trier, na última faixa, "New World", canta: "If living is seen/ I'm holding my breath". As telas de Ryman, pelo contrário, são um grande suspiro, um sopro, da vivacidade de uma única cor, e justamente o branco.

O que é o branco? Na luz, o branco é a presença de todas as cores, o branco é a luz que a tudo banha, e é dele que as coisas extraem outras cores, a fim de mostrar-se-nos como são visualmente. É do branco que saem o vermelho, o verde, o azul. É do branco que origina-se o arco-íris. Vemos que a escolha dessa cor por parte do artista não é de forma alguma aleatória, nem mesmo se fez apenas pela sua limpeza, mas, pelo contrário, todo sentido implícito a essa cor é a vivacidade do mundo e da luz em si, e, porque não, da ausência dessa, como na obra ao lado, onde além do branco, encontramos o cinza, levemente azulado, que é um sussurro do branco, sua forma mais amena de expor-se.
Ryman nos apresenta um grande campo para observarmos a simplicidade das coisas em si, das mais simples, e da possibilidade de gerar-se um universo completo a partir de pequenos elementos, aos quais sempre damos muita pouca importância, mas que concentram em si todo sentido de tudo. Basta que observemos atentamente.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

...o livro...

Um post curto... Uma frase que encontrei no site da futura biblioteca Brasiliana USP


"Dentre os instrumentos inventados pelo homem, o mais impressionante é sem dúvida o livro. Os demais são extensões de partes do corpo. O microscópio e o telescópio são extensões da visão; o telefone uma extensão da voz e finalmente temos o arado e a espada, ambos extensões do braço. O livro, porém é outra coisa. O livro é extensão da memória e da imaginação. " - Jorge Luis Borges, 1978

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

...espécies de espaços...

Não, não é mais um post sobre minimalismo, mas sim sobre literatura, já que fazim um bom tempo que não escrevia nada sobre um bom livro.



O autor é o francês Georges Perec, e o livro chama-se Especies de Espacios (não temos uma versão em português, infelizmente... O ideal é ler no original em francês, pois há jogos de palavras bastante interessantes nele, mas como eu não falo/leio/escrevo/entendo francês...). Datando de 1974, o livro é uma narrativa em primeira pessoa, meio que autobiográfica, onde o autor relata experiências e impressões que possui de diversos tipos de espaços. Desde o espaço literário, passando pelo espaço da cama, para o quarto, o apartamento, o andar, o bairro, cidade, país, até o mundo, oferecendo ao leitor os mais inusitados pontos de vista, com as mais estranhas sugestões de utilização de espaços que se poderia imaginar. Aqui um exemplo:


"cuando en una habitación dada se cambia de sitio la cama, ¿se puede decir que se cambia la habitación, o qué?"


Não é das perguntas mais comuns de serem feitas, mas o que o escritor nos pede, mais do que respondê-la, é que pensemos nesses espaços comuns, pois são os espaços onde a vida acontece, onde o extraordinário ordinário se faz presente, onde de fato existimos. E esse existir muitas vezes acaba por chegar numa monotonia tremenda porque não se pensa nesses espaços, não se procura utilizá-lo de maneira diferente que aquela a que aprendemos a fazer, e que nossos pais nos ensinaram a usar, e que seus pais os ensinaram a usar, etc... Perec nos fornece motivos para questionar a organização arquitetônica de uma casa, o uso das paredes ("Podríamos escrebir en las pareder(...) pero rara vez los hacemos"), etc... Num outro exemplo primoroso da capacidade de escrita de Perec, ele nos coloca passo a passo as ações de uma mudança de residência:

"limpiar verificar probar cambiar acondicionar firmar esperar imaginar inventar invertir decidir ceder doblar curvar enfundar equipar desnudar partir enrollar volver golpear refunfuñar sombrear modelar centrar proteger entoldar amasar arrancar cortar conectar esconder soltar accionar instalar chapucear encolar romper atar pasar apilar amontonar aplanchar pulir consolidar hundir enclavijar enganchar ordenar serrar fijar clavar marcar anotar calcular medir dominar ver apear pesar con todo su peso ebadurnar apomazar pintar frotar rascar enlazar subir tropezar franquear extraviar hallar revolver tumbarse a la batrola cepillar enmasillar desguarnecer camiflar enmasillar ajustar ir y venir lustrar dejar secar admirar extrañarse exasperarse impacientarse sobreseer apreciar añadir intercalar sellar clavar atornillar fijar conser ponderse en cuclillas encaramarse enfriarse centrar acceder lavar evaluar contar sinreír sostener restar multiplicar quedarse plantado esbozar comprar adquirir recibir devolver desembalar deshacer orlar encuadrar engastar considerar soñar fijar agujerear estrenar una casa acampar profundizar alzar procurarse sentarse adosar apuntalar enjuagar desatascar completar clasificar barrer suspirar silbar mientras se trabala humedecer encapricharse arrancar fijar carteles pegar jurar insistir trazar acuchillar cepilla pintar agutejerear conectar alumbrar cebar soldar curvarse desclavar sacar punta atornillar distaese disminuir sistener agitar antes de usar afilar extasiarse rematar atrancar rascar desempolvar mniobrar pulverizar equilibrar verificar humedecer taponar vaciar triturar esbozar explicar encogerse de hombros acoplar dividir andar de aquí para allá hacer tensar cronometrar yuxtaponer acercar casar blanquear lacar volver a tapar aislar arquear prender ordenar enjalbegar fijar recomenzar intercalar extender lavar buscar entrar soplar

intalarse

habitar

vivir"




Que é essa mudança que não a própria vida, onde ações sucessivas, atuações que transformam a nossa realidade, a realidade do mundo e a realidade das pessoas que conosco vivem, e que, no fundo, bem no fundo, desemboca na simples palavra "viver", e que tantas vezes esquecemos disso? Que aqui estamos para a vida, e que nas coisas pequenas é que ela se faz, justamente naquelas que não nos atentamos, que não damos importância, tão preocupados estamos com coisas nem tão importantes assim... Não fruimos o mundo, apenas passamos por ele, e é a isso que Perec nos chama a atenção: "intalarse habitar vivir"...


Aqui, link para o início do livro no Google Books.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

...universos temporais...

Fazia tempo que não postava duas vezes no mesmo dia, mas como encontrei certo tempo tanto para perscrutar na internet por novidades (ao menos para mim) quanto para escrever, colocarei um dos meu achados aqui.

A artista se chama Jeanete Musatti, e a bela obra, "Tartaruga" (2005). Para mais sobre a artista em si, o texto de Ricardo Rezende é bastante bom. Aqui, escreverei apenas sobre a obra, que se mostrou bastante interessante, em especial em dois pontos: o uso dos materiais, e a semântica desses.

Quanto ao uso, é bastante bonita a interação entre a rugosudade visual do casco da tartaruga e a rugosidade tátil das pedras, a tal ponto de criar uma relação com a realidade (o animal em si) bastante interessante, já que essa rugosidade tátil também se encontra presente nas escamas de uma tartaruga de verdade. As formas das pedras, inclusive, poderiam ser originais, sem necessariamente terem sido trabalhadas pela artista, mas se sim se não, não importa.

Em relação à semântica dos materiais, o vínculo conceitual destes com o modo de trabalho da artista é bem forte. Aqui, um trecho do texto do Ricardo Rezende:

"O procedimento de constituição de arquivos, atualmente em voga na arte copntemporânea, esteve presente na obra de Jeanete Musatti desde o início de sua carreira: a arte transformada em algo como um arquivo, um pequeno museu de curiosidades, um guardado da memória e das experiências vividas plásticas, estéticas ou sensoriais"

Esse ato de arquivar, de guardar, está diretamente relacionado com a temporalidade das coisas. O tempo enquanto ator central num palco onde todos os personagens são afetados por ele, desde sua gênese à sua extinção. E os materiais escolhidos pela artista acabam por relacionar-se diretamente com esse material, o tempo. A tartaruga é conhecida por sua longa vida, longas viagens, com certo caráter de passividade, de observação, pelo seu andar lento e paciente. Um casco sozinho, sem o conteúdo vivo, realça essa idéia, pois remete-se ainda mais ao passado (e quem sabe o quanto esse "passado" pode ser?). Junto ao casco, estão os cristais de rocha, que levam anos e anos para se formarem, e trazem no seu íntimo partículas e moléculas e átomos que podem ter pertencido a qualquer coisa: outras pedras, mágma, dinossauros, um rei, uma árvore, um pássaro, ou quem sabe até mesmo uma tartaruga? Enfim, a união de ambos objetos faz crescer esse sentido de temporalidade, de sobrevivência da matéria ao tempo, fornecendo insumo para o pensar.

Para mais obras e textos sobre a artista, o site da Galeria Nara Roelser.

...formas coloridas...

Ano novo vida nova? Não, a vida é a mesma, mas de fato, a mudança de ano nos possibilita repensar nossos atos de maneira a quem sabe encontrar novas proposições de atuar. Isso é algo inconciente e acontece sem que percebamos... É como, numa comparação já batida, um caderno em branco. Todo novo caderno que pegamos para começar anotações como que fazemos um propósito de organização, de letra bonita e de não escrever nele bobagens, nem arrancar suas folhas. E assim é um novo ano!


O que pensei para esse ano? Ora, ser diferente! Mas isso é para outros posts, outras histórias. Quanto ao blog, pretendo ser mais constante nele... É só ver o ultimo post de quando data... É... faz um tempo... O importante é não parar!

Uma coisa que reparei também é que de dezembro pra cá, meu número de acessos diários caiu drasticamente. De quase 30 por dia, agora são 2 ou 3, num ápice de 7. Me parece que o pessoal que acessa esse blog é constituído basicamente de estudantes, que estando de férias, páram de estudar. Eita, brasilzão, né? Mas beleza, vou continuar gerando conteúdo para eles, para que nos seus trabalhos do semestre que iniciar-se-á em fevereiro/março, continuem tendo material de referência. Agora, ao post.

Hoje, de volta à pintura, escreverei sobre uma artista brasileira chamada Gabriela Machado. Como um caminho natural, a artista começou sua pintura figurativamente, com naturezas mortas, e agora pinta de maneira abstrata (Iberê Camargo também passou por esse caminho, depois finalizando sua vida de volta à figuração, embora de maneira pouco figurativa... É, essa sua fase final merece um post só para ele... Vejamos se terei capacidade para isso algum dia...). E é essa fase que aqui se encontra.

A obra ao lado faz parte da sua série "Cascas", de 2005. A fartura de tinta e de cores é algo bastante instigante nela, contrapondo-se à grande área limpa, branca no entorno da mancha de tinta, levemente deslocada do centro físico da tela. É um quadro de grandes dimensões (220 x 196 cm), o que o torna ainda mais impressionante. E ao mesmo tempo que percebêmos a iminente abstração presente na tela, vemos certo grau de figuração ao relacionarmos o nome ao conteúdo da obra. O termo "casca" remete a algo próximo a proteção, consequentemente, vitalidade, e na tela encontramos ambos elementos presentes respectivamente na cores derivadas do marrom na base da mancha e do vermelho, na sua área superior. Enquanto na parte inferior, essa "casca" possui veios bem marcados, com cores fortes, constrastando os ocres aos marrons e aos pretos, no vermelho há uma diluição, um certo caráter homogênio que engrandece essa contraposição das áreas da pintura. O gesto da artista em ambas áreas também prestam a essa impressão de interior/exterior a que o termo "casca" nos fala. O diálogo com o nome da série "Cascas" é fundamental à fruição da obra, bem como às demais telas.

Outra série sua, a série "vermelho" acaba chegando nesse mesmo diálogo nome e obra. O mesmo vermelho que antes nos lembrava certo organismo pulsante agora se encontra espalhado, fluido embora travado, ao longo da tela. Esse paradoxo "fluxo x estagnação" é um dos pontos de maior interesse na obra, pois embora esse vermelho seja expansivo, seu contraste com o branco é bastante forte, e as áreas onde aparece a tinta falha pela sua escasses no pincel da artista tornam esse sentido de estagnação bastante proeminente e expressivo. Ao contrário da série anterior, onde havia um núcleo na tela, um ponto pulsante, nessa há um esparramado por todo o campo, que transmite certa continuidade vertical que na outra não havia, chegando a instigar o observador a imaginar suas continuações, figurativando a abstração da tela.

Para mais sobre a artista, outros trabalhos no site do canal contemporâneo.