segunda-feira, 16 de março de 2009

...som na esquina 2...

Porque se chamava moço
Também se chamava estrada
Viagem de ventania
Nem lembra se olhou pra trás
Ao primeiro passo, asso, asso
Asso, asso, asso, asso, asso, asso

Porque se chamavam homens
Também se chamavam sonhos
E sonhos não envelhecem
Em meio a tantos gases lacrimogênios
Ficam calmos, calmos
Calmos, calmos, calmos...
E lá se vai mais um dia...

E basta contar compasso
E basta contar consigo
Que a chama não tem pavio
De tudo se faz canção
E o coração na curva
De um rio, rio, rio, rio, rio
E lá se vai...
Mais um dia...

E o rio de asfalto e gente
Entorna pelas ladeiras
Entope o meio-fio
Esquina mais de um milhão
Quero ver então a gente, gente
Gente, gente, gente, gente, gente
E lá se vai


Continuando a postagem anterior sobre o Clube da Esquina, transcrevo aqui a letra da música do vídeo, de Lô Borges, Clube da Esquina 2. Não faz parte do primoroso album abaixo comentado, mas é a versão letrada da música de mesmo nome. Também de extremo valor artístico.

Quando comecei a ouvir o disco, sabia da existência dessa versão, mas não quis ouvir, pois para mim a perfeição daquela música instrumental era tal que qualquer letra a rebaixaria, mas, depois de mais de 2 anos, isso se mostrou o contrário: a letra está no mesmo nível da primeira versão.

E o sentido nela é tão forte que para mim se mostra numa temática diferente da anterior: enquanto aquela, como comentei, representa o conceito basilar de felicidade, esta se mostra como a concisão do desenrolar da vida. Extraordinário!

Logo nas primeiras palavras, já encontramos essa grandiosidade: "Porque se chamava moço/ Também se chamava estrada/ Viagem de ventania". A juventude como caminho, como trecho da vida que se volta para certos pontos. E não como uma brisa, que areja, que esclarece, mas como uma ventania, que por ser mais forte, arrasta e transforma o lugar por onde passa. Movimenta o redor e quebra a inércia da estagnação.

"Porque se chamavam homens/ Também se chamavam sonhos/ E sonhos não envelhecem": a imaginação, como ouvi certa vez numa palestra, é a imagem em movimento, e o sonho é justamente a apropriação desse imaginar em prol de um ideal, inconsumível (E basta contar compasso/ E basta contar consigo/ Que a chama não tem pavio), portanto, requisito primário para a mudança, qualquer que seja. Sonhos levam a ações, e bons sonhos em ação são as ditas ventanias. Bagunçam com mais de uma vida, reorganizam as metas de mai de uma pessoa (E o rio de asfalto e gente/ Entorna pelas ladeiras/ Entope o meio-fio).

Aqui, link para o site oficial do Lô Borges e para seu MySpace.

Só acrecentaria uma coisa na música, mas que na verdade poderia ser suprimida, já que óbvia:

"E lá se vai.../ Mais um dia..." feliz...

ps.: depois de escrever esse post, estava tomando banho um dia de manhã e percebi que a música pode ter certa conotação política tbm, já que escrita em 1978, em plena ditadura. Há alguns trechos que se fazem mais claros nesse contexto, como "Em meio a tantos gases lacrimogênios/Ficam calmos, calmos", e o trecho seguinte "E lá se vai.../Mais um dia..." deixa de ser alegre para ser pouco mais ressentido, como um dia perdido, e que não houve mudança alguma. Para uma interpretação do período, acho muito boa a letra, mas minha análise acaba tornando-se mais atemporal, contemporanizada, acredito que sem fazer a música perder muito de si. Num sei, impressões minhas... Digam depois o que acham.

Um comentário:

Claudio disse...

Parabéns por sua análise desta maravilhosa letra. Foi a única que encontrei que não parece um trabalho de ginásio ou um panfleto político de quinta... "Clube da esquina 2" me parece uma coleção de sensações colhidas em um contexto. Obviamente há uma referência ao período de repressão (os "gases lacrimogêneos") mas este definitivamente não é o núcleo da canção, que é quase "beatnik" em seu estilo. Obrigado.