segunda-feira, 29 de setembro de 2008

...minimas notas...

Se há algo fascinante no mundo das artes, é justamente a capacidade de interação entre suas diversas "modalidades". É interessantíssimo como o expressionismo de Munch influenciou a arquitetura de Taut, ou como o concretismo remecheu-se também pelo campo da poesia. Há diversas "trocas" de cultura que aconteceram e acontecem por aí.

E é mais fascinante ainda numa pesquisa por determinado estilo, se o encontre nas demais artes, como aconteceu comigo e o minimalismo. Por pesquisar apenas nas artes plásticas, acabei por encontrá-lo na literatura, no design, na arquitetura, na poesia, e, mais impressionante ainda, na música.

No minimalismo, uma das suas características era a padronização das formas, repetição serial de objetos industriais, clareza comunicacional, etc. Na música encontramos elementos semelhantes, como a execução infindável de padrões de acordes, sem grandes malabarismos escalísticos, mas apenas o básico, podendo variar o andamento, como Carl Andre variava o número de elementos repetidos. Podem variar os instrumentos também, assim como se pode variar o material de uma estrutura primária, e assim vai.

Um dos expoentes da música minimalista é Philip Glass. Há diversas peças dele bastante interessantes, e algumas até famosas. Mas gostaria de chamar a atenção para duas em especial. uma delas chama-se "Islands", do album "Glassworks". Abaixo, a música. Aperte o play e veja como as coisas acontecem.



Aqui, encontramos as mesmas características listadas acima. Há um padrão crescente de notas, que se repetem, variando o acorde sobre os quais se realizam. Sobre esses padrões encontramos um violino cantando longas e suaves notas, condizentes com os acordes sobre os quais estão inseridos. Em determinado momento, soma-se um violino, depois outro instrumento, mas sem nunca perder o principio do todo, que é a repetição, pouca variação, monotonia.



Aqui vai outro exemplo do mesmo artista. Chama-se "Einstein on the Beach/ act.I", da ópera "Einstein on the Beach". É uma música bastante longa, e interessante. Aqui, Philip Glass lanca mão de uma repetição quase que eletrônica, com um andamento às vezes muito acelerado, e instumentos variados. Começa pequeno, mas logo se acrescem ao conjunto vozes humanas, uma flauta, cantando sobre a base repetitiva, que ecoa da mesma maneira que na música anterior, sempre a mesma durante a música toda.

Já nessa, o que chama a atenção é justamente as vozes que cantam. Nelas, as palavras são as próprias notas, como podemos ver no trecho 3:45, onde a voz pronuncia literalmente "lá, si, lá, si, lá, si...", ou seja, a voz é a própria nota, assim como a palavra é a nota. Não há sentido explícito por parte do artista: as notas são o que elas são, uma depois da outra. Certamente, sobre essa música, o artista Frank Stella diria "what your hear is what you hear" (o que você ouve é o que você ouve). No entanto, há algo a mais na música que nos remete a outro universo. Conforme ouvimos as vozes cantando as notas, necessariamente as ligamos a palavras. Mentalizamos verbos, substantivos, adjetivos, ou qualquer outra classe de palavra se repetindo, repetindo e dizendo coisas, como quando ouvimos a máquina de lavar na sua monotonia também dizendo algo. No trecho que ouço agora, ouço a frase cheia de sentido "Não sei sentar, não sei sentar, não sei sentar...". É claro que é um absurdo, pois não se diz nada do tipo! Mas é o mesmo absurdo que se tentar encontrar um sentido literal numa obra abstrata... São ilusões que nossa mente nos prega. Nada mais que isso.

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