quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

...espécies de espaços...

Não, não é mais um post sobre minimalismo, mas sim sobre literatura, já que fazim um bom tempo que não escrevia nada sobre um bom livro.



O autor é o francês Georges Perec, e o livro chama-se Especies de Espacios (não temos uma versão em português, infelizmente... O ideal é ler no original em francês, pois há jogos de palavras bastante interessantes nele, mas como eu não falo/leio/escrevo/entendo francês...). Datando de 1974, o livro é uma narrativa em primeira pessoa, meio que autobiográfica, onde o autor relata experiências e impressões que possui de diversos tipos de espaços. Desde o espaço literário, passando pelo espaço da cama, para o quarto, o apartamento, o andar, o bairro, cidade, país, até o mundo, oferecendo ao leitor os mais inusitados pontos de vista, com as mais estranhas sugestões de utilização de espaços que se poderia imaginar. Aqui um exemplo:


"cuando en una habitación dada se cambia de sitio la cama, ¿se puede decir que se cambia la habitación, o qué?"


Não é das perguntas mais comuns de serem feitas, mas o que o escritor nos pede, mais do que respondê-la, é que pensemos nesses espaços comuns, pois são os espaços onde a vida acontece, onde o extraordinário ordinário se faz presente, onde de fato existimos. E esse existir muitas vezes acaba por chegar numa monotonia tremenda porque não se pensa nesses espaços, não se procura utilizá-lo de maneira diferente que aquela a que aprendemos a fazer, e que nossos pais nos ensinaram a usar, e que seus pais os ensinaram a usar, etc... Perec nos fornece motivos para questionar a organização arquitetônica de uma casa, o uso das paredes ("Podríamos escrebir en las pareder(...) pero rara vez los hacemos"), etc... Num outro exemplo primoroso da capacidade de escrita de Perec, ele nos coloca passo a passo as ações de uma mudança de residência:

"limpiar verificar probar cambiar acondicionar firmar esperar imaginar inventar invertir decidir ceder doblar curvar enfundar equipar desnudar partir enrollar volver golpear refunfuñar sombrear modelar centrar proteger entoldar amasar arrancar cortar conectar esconder soltar accionar instalar chapucear encolar romper atar pasar apilar amontonar aplanchar pulir consolidar hundir enclavijar enganchar ordenar serrar fijar clavar marcar anotar calcular medir dominar ver apear pesar con todo su peso ebadurnar apomazar pintar frotar rascar enlazar subir tropezar franquear extraviar hallar revolver tumbarse a la batrola cepillar enmasillar desguarnecer camiflar enmasillar ajustar ir y venir lustrar dejar secar admirar extrañarse exasperarse impacientarse sobreseer apreciar añadir intercalar sellar clavar atornillar fijar conser ponderse en cuclillas encaramarse enfriarse centrar acceder lavar evaluar contar sinreír sostener restar multiplicar quedarse plantado esbozar comprar adquirir recibir devolver desembalar deshacer orlar encuadrar engastar considerar soñar fijar agujerear estrenar una casa acampar profundizar alzar procurarse sentarse adosar apuntalar enjuagar desatascar completar clasificar barrer suspirar silbar mientras se trabala humedecer encapricharse arrancar fijar carteles pegar jurar insistir trazar acuchillar cepilla pintar agutejerear conectar alumbrar cebar soldar curvarse desclavar sacar punta atornillar distaese disminuir sistener agitar antes de usar afilar extasiarse rematar atrancar rascar desempolvar mniobrar pulverizar equilibrar verificar humedecer taponar vaciar triturar esbozar explicar encogerse de hombros acoplar dividir andar de aquí para allá hacer tensar cronometrar yuxtaponer acercar casar blanquear lacar volver a tapar aislar arquear prender ordenar enjalbegar fijar recomenzar intercalar extender lavar buscar entrar soplar

intalarse

habitar

vivir"




Que é essa mudança que não a própria vida, onde ações sucessivas, atuações que transformam a nossa realidade, a realidade do mundo e a realidade das pessoas que conosco vivem, e que, no fundo, bem no fundo, desemboca na simples palavra "viver", e que tantas vezes esquecemos disso? Que aqui estamos para a vida, e que nas coisas pequenas é que ela se faz, justamente naquelas que não nos atentamos, que não damos importância, tão preocupados estamos com coisas nem tão importantes assim... Não fruimos o mundo, apenas passamos por ele, e é a isso que Perec nos chama a atenção: "intalarse habitar vivir"...


Aqui, link para o início do livro no Google Books.

Um comentário:

Lado A Lado B disse...

Parabéns pelos comentários, gosto muito de Perec, e sempre estou procurando por coisas dele na net.