domingo, 13 de julho de 2008

...a voz como instrumento...

Este post foi um amigo meu, Gabriel Garbulho, que escreveu a meu pedido. Deleitem-se!

“Que coisa mais estranha é ver toda uma espécie, bilhões de pessoas, ouvindo padrões tonais sem sentido, brincando com eles, absortas, arrebatadas durante boa parte do seu tempo pelo que chamam de música”

(Oliver Sacks)


"Quando o Eduardo me pediu um artigo sobre “A voz como instrumento”, foi inevitável para haver uma maior familiaridade com o tema, que primeiro expusesse a música de forma a poder ser racionalizada como a arte em geral, ficando mais próximo do mundo dos leitores do Digerindo Arte. Agora sem mais expicações.

Apesar do caráter científico da pesquisa de Oliver Sacks (ele é neurologista), esta frase de início vem embebida de uma visão poética e esclarecedora. A música é a forma mais livre e direta de arte, pois só requer ao espectador a sua faculdade física básica para apreciação: o ouvido. Enquanto as artes plásticas (em especial após o modernismo) trabalham essencialmente com o intelecto e as referências, o som, por si só, diz a que veio.

Não ignoro que as referências culturais e a própria história pessoal acabam por pender para um ou outro estilo e diferentes apreciações, mas fato é que ouvimos o que instiga diretamente a nossa emoção. E é a intangibilidade emocional, o invisível preenchedor a pauta do dia.

A música instrumental é a pura essência do que foi comentado acima. Ela não está embutida de um texto, uma mensagem que utilize o entendimento literário, sendo os padrões tonais o alfabeto, e a harmonia responsável pelas orações. O grande trunfo de um bom instrumentista é criar sinestesias dentro dessa gramática, fazer o som ter tato, trazer imagens por mais que sejam abstratas, refletir sensações involuntárias. O sabor de um grande instrumentista é transparecer sua energia sem aparecer, o seu toque e o instrumento reverberam essa aura no teatro (um ótimo lugar para entender do que eu falo) ou mesmo em um estádio ou na sala da sua casa.

A voz por princípio é um instrumento, embora no meio musical isto nem sempre tenha seu devido reconhecimento. “Cantar é mover o dom do fundo de uma paixão, seduzir”, definiu Djavan em sua música, que é exatamente o dever de todo e qualquer instrumentista.

A voz tem todo o poder do corpo. Cantar é mover o dom por todo o aparelho respiratório, é modular com a língua e os dentes, é dar volume, controlar o peso. Também se espalha pelos membros que gesticulam, pelo rosto que se contrai, e tudo isso modifica e dá propriedade ao som, mesmo que não vejamos a imagem de quem canta. O cantor tem o instrumento mais completo e o mais emocional.

Estava com o Eduardo no carro e ambos ficamos absortos (parafraseando Oliver Sacks) ao ouvir o primeiro tema do LP “Minas”, cantado por Milton Nascimento. Não havia letra, não havia mensagem, havia uma aura se espalhando por um falsete que evocava imagens, no meu caso nostálgicas, mas de um passado divino, como uma sacralização das coisas simples. Um choro puro, vindo de um interior longínquo, um batismo de toada.

A voz enquanto instrumento evoca o abstracionismo de um action painting: marca consigo o gesto, dentro da delimitação da tela (assim como o campo harmônico o faz com os improvisos). Um bom exemplo e também próximo da realidade da música popular é The Great Gig in the Sky, faixa da obra-prima "The Dark Side of the Moon" do Pink Floyd. O solo vocal é cortante, entra em um momento ápice, e imprime toda a potência da canção negra. Uma mulher transloucada quer ocupar todos os espaços como água quando entra no copo, perde a estribeira e transborda em poder. Seu solo é mais aterrador do que qualquer camada de guitarra gravada pelo também monumental David Gilmour, traz um corpo em ebulição que é mais capaz do que a distorção no instrumento. É impossível manter-se alheio a um grito de desespero.

Existem exemplos mais racionais como Ella Fitzgerald, embora a graça do seu improviso esteja no quebrar de suas métricas e no charme de seu timbre. O corpo ali é também elemento ativo e portanto há essência.

Termino este artigo lembrando Gal Costa quando dizia que Cássia Eller era perfeita porque soava como um instrumento: sendo um solo vocal ou uma melodia acompanhada de poesia, o grande vocalista é aquele que o faz por todos os poros. Não é uma questão de interpretação mas de incorporação, que vai ser o resultado esperado de quando este som chegar ao ouvinte. E o quê nas artes plásticas teria paralelo à esta incorporação? Agora quem traz as respostas são vocês".

Gabriel Santos Garbulho – 13/07/2008

Um comentário:

Anônimo disse...

Buenas??

Eu sou de Santo antônio da Patrulha - RS aonde acontece um festival Brasileiro de música,"MOENDA DA CANÇÂO". Esse ano mandei uma música Instrumental, para a linha Instrumental, onde tinha vocais executando Volalizes Melódicas, a música recebeu nota maxima na triajem, todavia foi desclassificada administrativamente pelo juri por não cumrir os requisitos, (ou seja: thina as vozes). Após acontecido fui procurar definições tecnicas sobre o assunto e encontrei esse texto. Muito obrigado pela aula, tenho a absoluta certeza de que minha música deveria estar lá.

Se quizerem ouvirem minha obra me mandem um email: cardeallanes@gmail.com

Abraços, Lanes Cardeal