

- por Eduardo Ferreira
Pois é. Decidi parar de postar no digerindo arte, então, ao invés de o abandonar e pronto, vou deixar um post de finalização. Por que decidi parar? Porque ele, afinal, serviu para o que deveria servir...
Conforme comentei no post anterior, aconteceu o festival Música do Mundo esse sábado agora que passou. As apresentações foram em Três Pontas, Minas Gerais, terra de Milton Nascimento e Wagner Tiso. E, obviamente, meu post será sobre eles (talvez eu tenha mais falado de Milton Nascimento nesse blog do que qualquer outra coisa). Será um post mais emocional do que descritivo ou analítico, pois a experiência de ir a Três Pontas e ver o show foi arrebatadora.
A música é Coração de Estudante, composição de Milton e Wagner Tiso, e é provavelmente das mais famosas do compositor. A letra dela é algo soberbo, e tentarei o melhor de mim para expor o que penso dela.
Quero falar de uma coisaAparentemente, a música tem também bastante a ver com o período a qual foi escrita, a ditadura, mas ainda assim é possível fazer uma leitura mais atual dela, ou até talvez mais universalizante, e é justamente o que eu tentarei fazer...
Adivinha onde ela anda
Deve estar dentro do peito
Ou caminha pelo ar
Pode estar aqui do lado
Bem mais perto que pensamos
A folha da juventude
É o nome certo desse amor
Já podaram seus momentos
Desviaram seu destino
Seu sorriso de menino
Tantas vezes se escondeu
Mas renova-se a esperança
Nova aurora a cada dia
E há que se cuidar do broto
Pra que a vida nos dê flor e fruto
Coração de estudante
Há que se cuidar da vida
Há que se cuidar do mundo
Tomar conta da amizade
Alegria e muito sonho
Espalhados no caminho
Verdes, plantas, sentimento
Folha, coração, juventude e fé
"Porque se chamava moço/ Também se chamava estrada/ Viajem de ventania/ Nem lembra se olhou pra trás ao primeiro passo".A juventude é aquilo que nos dá a capacidade de avançar, de botar o pé na estrada ("Um pé na soleira e um pé na calçada/ Um pião/ Um passo na estrada e um pulo no mato" - Léo, Milton Nascimento), de sair de nós mesmos, de arriscar, de possuir ideais de vida, de mudança.
"Porque se chamavam homens/ Também se chamavam sonhos/ E sonhos não envelhecem".É algo interno, uma moção pessoal, que se reflete no grupo. É o próprio nome da música: "Coração de estudante/ Há que se cuidar da vida/ Há que se cuidar do mundo/ Tomar conta da amizade".
A gente costuma não saber falar bem das coisas que mais nos tocam, pois chega a ser irracional. Não sabemos bem o porquê, mas aquilo mexe conosco de tal maneira que não é possível objetivar em palavras uma justificativa plausível e que cause a mesma coisa nos demais.
E, para mim, isso acontece com as músicas do Milton Nascimento. Quase todas. Não sei falar delas, fico como um idiota procurando palavras, e simplesmente resulta em algo ridículo. Já tive experiência com outros dois posts sobre o assunto (aqui e aqui), e vi que não dá certo. Por isso, vou simplesmente colocar aqui a primeira música na voz dele que me rendeu (pois a composição não é dele).
O monstruoso solo do final é do Toninho Horta. Quem for ao Festival Música do Mundo poderá acompanhar a ambos, e quem sabe até em algum momento juntos...
Marcadores: milton nascimento, toninho horta
Eu entendo perfeitamente a resistência de muitos quanto à arte contemporânea. Ela se mostra vazia uma consideravel quantidade de vezes. Mas às vezes ela até que é boa, o que não ajuda muito é o texto curatorial dela. E para ilustrar tal ponto, segue uma análise não da obra, mas do texto que "contextualiza" um trabalho que encontrei.A obra se chama Éter, da artista Alice Shintani. Está expondo nesse momento na Galeria Virgílio. A obra parece interessante pela foto, e o texto que se coloca após ela também:
"Como olhamos o que olhamos?
Em que medida percebemos as pessoas, as coisas, o mundo, para além de um mero reflexo de nós mesmos? Buscamos de fato o estranhamento de um novo encontro ou procuramos o conforto do familiar? Agüentamos esse estranho ou necessitamos logo identificá-lo, rotulá-lo (e descartá-lo)?"
"Artistas são endossados por exposições. Exposições são endossadas por textos-críticos. Textos-críticos são endossados por citações a pensadores. Pensadores são endossados por artistas:Eu acredito que foi a própria artista quem escreveu isso, e não um crítico efetivamente, mas enfim. A análise é válida de qualquer maneira (embora acredite que não seja tão necessária assim, com tamanha pérola que encontrei). Vamos da primeira parte:
“A obra de arte não é um instrumento de comunicação. Aliás, a arte não tem nada a ver com comunicação. Ela não contém a mínima informação. O que existe, ao contrário, é uma profunda afinidade entre obra de arte e ato de resistência.” [G. Deleuze]
“Mas o que significa resistir? É antes de tudo ter a força de des-criar o que existe, des-criar o real, ser mais forte do que o fato que aí está. Todo ato de criação é também um ato de pensamento, e um ato de pensamento é um ato criativo, pois o pensamento se define antes de tudo por sua capacidade de des-criar o real.” [G. Agamben]"
O que se pretende aqui é um falso silogismo. Irônico de certa maneira, pelo menos ao meu ver. Digo isso pelo seguinte: endossar é demonstrar apoio a alguma coisa ou idéia. Assim, é sustentar essa idéia. Quem sustenta o artsita é a exposição. E a exposição só se encontra completa quando há um texto crítico para ela, senão, não é exposição (o que é uma grande balela). Textos críticos se constróem e encontram justificativas em citações a pensadores (para não dizer encher linguiça). E quem sustenta o pensador é justamente o artista, que cria a demanda por seus textos. Tudo claramente uma grande bobagem, e espero do fundo do coração que o intuito de tal sequência de idéias tenha sido com intuito humorístico... Mas o texto continua. Justamente com uma citação para que o conteúdo do trecho anterior seja endossado:
"Artistas são endossados por exposições. Exposições são endossadas por textos-críticos. Textos-críticos são endossados por citações a pensadores. Pensadores são endossados por artistas".
“A obra de arte não é um instrumento de comunicação. Aliás, a arte não tem nada a ver com comunicação. Ela não contém a mínima informação. O que existe, ao contrário, é uma profunda afinidade entre obra de arte e ato de resistência.” [G. Deleuze]"Nada menos do que Deleuze. Não sei se o leitor vai me achar agora um tanto quanto atrevido, mas me parece nesse momento pelo menos óbvio que a citação não faz o menor sentido. Mesmo que deslocada de sua fonte, afirmar que uma obra de arte não é instrumento de comunicação é algo que deve causar ânsias a qualquer pensador descente. Antes de continuar, vai o trecho seguinte, para que a idéia esteja completa na hora de falarmos dela.
“Mas o que significa resistir? É antes de tudo ter a força de des-criar o que existe, des-criar o real, ser mais forte do que o fato que aí está. Todo ato de criação é também um ato de pensamento, e um ato de pensamento é um ato criativo, pois o pensamento se define antes de tudo por sua capacidade de des-criar o real.” [G. Agamben]"Agora o vazio intelectual está simplesmente completo. Deleuze nos apresenta a idéia de que a obra de arte não é comunicativa, não é instrumento de comunicar, e nem contém informação alguma. Nego essa idéia do seguinte ponto: mesmo que pensemos que a obra de arte não é feita para o público, mas é por vontade espontânea do artista, é errado colocar que ela não é comunicativa pelo simples fato de ela ter-se materializado. Se um artista faz uma obra, é porque a julga com algum tipo de conteúdo digno de ser exposto a algum interlocutor, e assim o fazendo, sela o ciclo comunicativo que Deleuze nega.
Marcadores: alice shintani, arte contemporânea, galeria virgílio
Pode parecer deslocado, mas o Digerindo Arte apoia a iniciativa de seus amigos, ainda mais quando são interessantes. Não vou me delongar demais, aqui vai o link para onde interessa. O nome da iniciativa? Bem, simples: Design Simples.
Para uma breve esplicação sobre o que é o projeto todo, podem acessar o post do estudio-cinco.
Apenas uma pequena pincelada: Design Simples é um portal de Inovação em Design, onde se divulgam trabalhos invadores de estudantes, além de informações relevantes a quem deseja ter algum incentivo nessa prática tão escassa no Brasil, que é a inovação.
Desejo boa sorte a essa iniciativa, e aqui vai minha contribuição momentânea para que mais gente conheça o projeto.
Marcadores: design, design contemporâneo, design simples, estudio-cinco, inovação
Finalmente aqui comentarei algumas coisas da bienal de veneza desse ano.
A work of art is more than an object, more than a commodity. It represents a vision of the world, and if taken seriously must be seen as a way of “making a world”. A few signs marked on paper, a barely touched canvas, or a vast installation can amount to different ways of world-making - Daniel Birnbaum _curador da 53a Bienal de VenezaTendo como tema geral "making worlds / bantin duniyan / 制造世界 / weltenmachen / construire des mondes/fazer mundos", o texto do curador se mostra bastante explicativo (e inclusive essa sucessão de nomes em diversas línguas). E é até interessante se pensar numa mostra mundial, onde cada país chega com seu próprio mundo de artistas, e cada artista com seu próprio idioleto, tentar criar um todo do panorama artístico seria impossível.
O post sobre a Bienal de Veneza será o próximo. Gostaria de colocar aqui brevemente algumas considerações sobre o estupendo conto de Leon Tolstói "A morte de Ivan Ilitch". Considerada por alguns como uma de suas melhores obras, mesmo contendo singelas 85 páginas quando comparada com as magistrais mais de 1200 páginas de "Guerra e Paz", nessa pequena história, Tolstói conseguiu o máximo da consisão e expressão da vida de um homem de seu período, até seu agoniante fim, que invariavelmente toca e marca profundamente o leitor. Não colocarei aqui um resumo da história, mas irei diretamente à análise.
Ivan Ilitch é um burguês comum, e claramente pode ser tido como um homem comum, como cada um de nós, e isso pelos seus problemas, e o modo como os trata: em geral, a fuga.
Quando começa a ter problemas com sua esposa, procura sua fuga no trabalho; quando está de férias e entediado, procura uma fuga na busca por novo emprego; quando doente e com dores, procura a fuga na crítica aos demais. Sua mulher não faz diferente: desde o início, foge da realidade, e "atua" diante da morte de seu marido, quando já não mais se importava realmente com isso; quando o marido doente não melhora, da mesma maneira foge da responsabilidade de esposa, jogando a culpa nele por "não tomar os medicamentos nos horários certos". Os doutores fogem da verdade atrás de termos médicos e suposições que sabiam errôneas. E todos fogem da realidade de serem homens, escondendo-se atrás da máscara do dinheiro e da ostentação.
No final do texto, essas máscaras irritam Ivan, ele não mais suporta as "mentiras". No entanto, é evidente o motivo por não as aturar: defronte com sua morte, enxerga nessas fugas a sua vida inteira. Vê em sua mulher o que fez a vida toda. Fugir da realidade. Fugir dos outros, se esconder da verdade.
É bastante comovente, no entanto, como retorna a ela: conversa com sua consciência, tenta enganá-la dizendo de sua boa vida, mas acaba sucumbindo à verdade; enxerga no mujique Guerássin um homem bom e verdadeiro; vê em seu filho à beira da sua cama, chorando, o verdadeiro amor familiar, coisa que não vira até o momento, nem em seu (conveniente) casamento. Enfim, vê a verdade.
Solzhenitsyn, em seu também estupendo romance "Pavilhão de Cancerosos" percebe isso em Tolstói, quando do diálogo de dois de seus personagens, Rusanov e Efrem, a respeito de um dos livros de Toltói:
-¡Esas son pavadas! -dijo Rusanov, haciendo silbar la "s" de indignación-. ¿No podría cambiar el disco? Se huele a un kilómetro que ésa no es la moral nuestra. Y por lo demás, en su libraco ¿qué es lo que hace vivir a la gente, pues?
Efrem había parado de narrar y había vuelto sus ojos hinchados hacia su interlocutor calvo. Se sentía despechado de que el calvo hubiese asestado un golpe tan certero En el libro estaba escito que lo que hace vivir a los hombres no es el egoísmo, sino el amor al prójimo. El viejo quisquilloso había dicho: "El hombre vive de causas comunes". Era aproximadamente lo mismo.
-¿Lo que lo hace vivir?... Ni siquiera se atrevía Efrem a pronunciar la palabra en voz alta. Era casi inconveniente-. Pues bien, el amor, como dice él. ..
Marcadores: ivan illitch, literatura, pavilhão de cancerosos, Solzhenitzyn, tolstói
Começa domingo a 53a Bienal de Veneza, o mais importante evento de arte do planeta, maior inclusive que a Documenta. Comentarei algumas obras que encontrar na internet depois da abertura (não, não poderei ir a veneza...). Por enquanto, um breve comentário sobre os artistas que teremos por lá.
Da nossa parte, além da Lygia Pape, que comentarei em outro momento (não conheço ainda muito do trabalho dela, me demandará alguns momentos de estudo), teremos uma instalação do já conhecido Cildo Meireles (comentei dele nesse post).
Artista do grupo de 70, tem uma forte atuação conceitual, com conjunto de obras mundialmente famosas, como "Inserções em circuito ideológico" que insere em materiais de circulação massiva (papel moeda, garrafas de vazilhame, etc) conceitos ideológicos, frases provocativas, exortações nacionalistas, ou qualquer coisa do tipo. Embora hoje não aparente grande coisa, essas obras fazem maior sentido quando contextualizadas: foram feitas em plena e alta ditadura, onde a liberdade de expressão era inexistente. Assim, faz sentido carimbar numa nota de cruzado: "Quem matou Herzog?". É a arte no seu mais forte sentido político.
Marcadores: arte contemporânea, david weiss, peter fischli, the way things go, video arte
Um assunto que nunca abordei é arquitetura... Talvez pela minha incompetência no campo, mas não pela falta de interesse. Enfim, hoje será um teste... Como esse blog o é por sí, um grande campo de testes de bobagens que escrevo, estamos assim em casa.
Marcadores: arquitetura, história, lina bo bardi, masp
A postagem passada foi a de número 60... Nem percebi para fazer algum tipo de comemoração ou coisa que o valha... Tudo bem, vamos esperar pela centésima.
Voltando às artes plásticas, me deparei hoje com a obra de uma artista bastante instigante em parte de suas obras, e bastante poética em outra parte. Chama-se Tatiana Blass. Essa divisão arbitrária de minha parte vem a coincidir em outro ponto: a parte instigante corresponde a intalações e esculturas, a parte poética a pinturas, e tentarei apresentar as duas nesse post, mas farei diferente hoje: gostei tanto do seu trabalho que colocarei mais imagens no final (além do link para seu site) além das que decidir comentar.As telas de Tatiana Blass são bastante interessantes quanto ao uso da cor, e da possível figuração dentro de uma abstração bastante geométrica. O trabalho ao lado chama-se "Paisagem-estampa", 2004, e chama a atenção pelo colorido usado pela artista para sua construção. Em conjunto com o nome, podemos claramente localizar a paisagem nominada pela artista, com um fundo de arvores, arbustos, uma leve névoa, com a parte inferior remetendo a algum tipo de chão, pode ser cimentado, pode ser um lago noturno, etc. A combinação cromática está perfeitamente equilibrada, com a massa cinzenta inferior e suas manchas escuras contrapondo as 5 variações de verde presentes na parte superior. As massas também com essa leve geometrização bastante orgânica ajuda nesse sentimento de natureza encontrado no nome que a artista dá a sua tela.
Neste outro trabalho, já do seu lado instigante, "Globo da Morte" de 2008, chama a atenção pelo movimento que o simples deslocamento de parte da moto invoca, e essa continuidade de tubulações douradas trabalhando como um spectro da aceleração do veículo, embora estranhamente a parte posterior tenha ficado parada. O Globo da Morte é aquela esfera de arames com um grande diâmetro onde motociclistas aceleram suas motos até que fiquem girando em qualquer sentido (vertical, horizontal), desafiando a gravidade com as propriedades da própria física a que esta faz parte. O paralelo desse tipo de apresentação com a obra está justamente na posição do fronte da moto, subindo pela parede, acelerando e quebrando com a mais básica lei da realidade. O encurvamento das tubulações dialogam com as pinturas da artista quanto a sua organicidade.
Outros trabalhos da artista podem ser vistos em seu site, mas tive o trabalho de recortar alguns bastante interessantes para que o leitor possa fruir deles agora mesmo.
Marcadores: arte contemporânea, cor, escultura, instalação, pintura, tatiana blass
"Para poder deleitar-se com o retrato equestre de Carlos V, de Tiziano, é
condição ineludível que não vejamos ali Carlos V em pessoa, autêntico e vivo,
mas sim em seu lugar devemos ver apenas um retrato, uma imagem irreal, uma
ficção".
"Não existe uma arte particularmente católica,afirma Jones [David Jones, poeta
católico do século XX], tal como não existe "uma ciência hidráulica católica, um
sistema vascular católico ou um triângulo equilátero católico". (...) Auden pensava da mesma maneira:(...) Apenas o que pode haver é um espírito cristão, segundo o qual um artista ou cientista age ou não"."
"Não se há de negar que posso atribuir ao indivíduo de cultura média as noções de
que a arte do século XX é: I)produto de indivíduos isolados que deixam de dar
expressão à consciência e aos gostos da sociedade como um todo; II)
hiperespecializada, desprovida da amplitude e da complexidade do que veio antes,
propensa a sacrificar importantes atributos da arte para poder desenvolver
obsessões tacanhas até níveis extremos; III) por demais preocupada, em sua
autoconsciência, com questões de estilo e com a obtençãod e originalidade. Tudo
isso vem ao caso, e o que se pode dizer a respeito é o seguinte: em primeiro
lugar, a arte do nosso tempo pode não ser muito boa se comparada com o
supra-sumo, mas foram suas próprias limitações que a fizeram dar uma
contribuição singular para o corpus da arte (e isso é assumir que a
singularidade é uma qualidade necessariamente valiosa); em segundo lugar, as
limitações da nossa arte refletem certas fraquezas da nossa sociedade, e, se a
nossa sociedade fosse diferente, nossa arte poderia ser melhor. (...) Se dizem
que o último Rothko não é um quadro tão bom quanto um Monet, isso não é uma
condenação de Rothko, mas uma definição de arte"."
Marcadores: akira kurosawa, cinema, cinema japonês, madadayo
Porque se chamava moço
Também se chamava estrada
Viagem de ventania
Nem lembra se olhou pra trás
Ao primeiro passo, asso, asso
Asso, asso, asso, asso, asso, assoPorque se chamavam homens
Também se chamavam sonhos
E sonhos não envelhecem
Em meio a tantos gases lacrimogênios
Ficam calmos, calmos
Calmos, calmos, calmos...
E lá se vai mais um dia...
E basta contar compasso
E basta contar consigo
Que a chama não tem pavio
De tudo se faz canção
E o coração na curva
De um rio, rio, rio, rio, rio
E lá se vai...
Mais um dia...
E o rio de asfalto e gente
Entorna pelas ladeiras
Entope o meio-fio
Esquina mais de um milhão
Quero ver então a gente, gente
Gente, gente, gente, gente, gente
E lá se vai
Continuando a postagem anterior sobre o Clube da Esquina, transcrevo aqui a letra da música do vídeo, de Lô Borges, Clube da Esquina 2. Não faz parte do primoroso album abaixo comentado, mas é a versão letrada da música de mesmo nome. Também de extremo valor artístico.
Quando comecei a ouvir o disco, sabia da existência dessa versão, mas não quis ouvir, pois para mim a perfeição daquela música instrumental era tal que qualquer letra a rebaixaria, mas, depois de mais de 2 anos, isso se mostrou o contrário: a letra está no mesmo nível da primeira versão.
E o sentido nela é tão forte que para mim se mostra numa temática diferente da anterior: enquanto aquela, como comentei, representa o conceito basilar de felicidade, esta se mostra como a concisão do desenrolar da vida. Extraordinário!
Logo nas primeiras palavras, já encontramos essa grandiosidade: "Porque se chamava moço/ Também se chamava estrada/ Viagem de ventania". A juventude como caminho, como trecho da vida que se volta para certos pontos. E não como uma brisa, que areja, que esclarece, mas como uma ventania, que por ser mais forte, arrasta e transforma o lugar por onde passa. Movimenta o redor e quebra a inércia da estagnação.
"Porque se chamavam homens/ Também se chamavam sonhos/ E sonhos não envelhecem": a imaginação, como ouvi certa vez numa palestra, é a imagem em movimento, e o sonho é justamente a apropriação desse imaginar em prol de um ideal, inconsumível (E basta contar compasso/ E basta contar consigo/ Que a chama não tem pavio), portanto, requisito primário para a mudança, qualquer que seja. Sonhos levam a ações, e bons sonhos em ação são as ditas ventanias. Bagunçam com mais de uma vida, reorganizam as metas de mai de uma pessoa (E o rio de asfalto e gente/ Entorna pelas ladeiras/ Entope o meio-fio).
Aqui, link para o site oficial do Lô Borges e para seu MySpace.
Só acrecentaria uma coisa na música, mas que na verdade poderia ser suprimida, já que óbvia:
"E lá se vai.../ Mais um dia..." feliz...
ps.: depois de escrever esse post, estava tomando banho um dia de manhã e percebi que a música pode ter certa conotação política tbm, já que escrita em 1978, em plena ditadura. Há alguns trechos que se fazem mais claros nesse contexto, como "Em meio a tantos gases lacrimogênios/Ficam calmos, calmos", e o trecho seguinte "E lá se vai.../Mais um dia..." deixa de ser alegre para ser pouco mais ressentido, como um dia perdido, e que não houve mudança alguma. Para uma interpretação do período, acho muito boa a letra, mas minha análise acaba tornando-se mais atemporal, contemporanizada, acredito que sem fazer a música perder muito de si. Num sei, impressões minhas... Digam depois o que acham.
Marcadores: alegria, clube da esquina, clube da esquina nº2, lô borges, milton nascimento, música, Sonhos
Mais um post musical. Não, não estou perdendo as raízes, na verdade, voltando a elas, já que a idéia era falar não só de artes plásticas.
Clube da Esquina é para mim o melhor disco brasileiro de todos os tempos. Sem dúvida alguma. Fui apresentado a ele pelo Gabriel Garbulho (aquele do post Voz como instrumento, mais abaixo), e fiquei ouvindo-o diariamente por mais de 6 meses, ate que meu estágio não mo permitiu mais.
Mas cada vez que ele toca, é algo magnânimo. Nas próprias palavras do Gabriel, "é um disco indigesto". É extremamente seco, não possui grandes devaneios instrumentais, mas apenas pontos precisos, focados numa musicalidade bem brasileira (ou para ser mais exato, mineira). A capa do disco já é de tirar o fôlego, levando-se em conta que foi a primeira aparição de Lô Borges (com apenas 17 anos!) junto de Milton Nascimento (já internacionalmente consagrado). Não há nada escrita na fronte, apenas esses dois garotos sentados na beira da estrada, esperando sabe-se lá o que, mas conscientes do mundo e daquele que os fotografava. O leve riso do pequeno contrasta com a carrancudice do maior, bem como seus tons de pele, bem como a voz de Milton Nascimento e de Lô Borges.
E de todas as músicas, apenas uma foi composta por ambos: Clube da Esquina nº2.
A 11ª de 21 faixas é a música que divide o album em dois, e é a mais bela de todo o disco, mesmo sem letra alguma (e olha que nele encontramos músicas do nível de Trem Azul e Paisagem da Janela): para mim, é o conceito e resumo do que é alegria.
Um arrastado violão em Dó no fundo,
uma leve percusão,
um claro chocalho,
e acima de todos,
duas vozes cantarolando em uníssono: Milton e seu Violão...
Nada mais...
Marcadores: clube da esquina, clube da esquina nº2, lô borges, milton nascimento, música
Pois é... mais uma vez aquele veemente desejo de ano novo de mais posts se vai pelo ralo... (Mas devo confessar que é por estar com muitos trabalhos para fazer! E isso monetariamente me agrada, e tambem culturalmente, pois vários me fizeram crescer em alguns pontos. Usarei em breve um deles para aplicá-lo numa análise artística. Design e arte ainda caminham lado a lado, embora não mais de mãos dadas).
Marcadores: nada
Esse é mais um daqueles posts rápidos. Como fazia um tempinho que num postava alguma coisa de música, aqui vai um excepcional clássico da música de Pat Metheny. O album inteiro vale a pena, mas essa é a que mais gosto. Chama-se April Joy (talvez seja por isso é minha favorita... Eu nasci em abril...). Nem me atrevo a comentar...
Marcadores: as it is, jazz moderno, música, pat metheny, pat metheny group
Perdi a data mais importante do ano para o blog: seu aniversário... Isso mesmo, dia 22 de janeiro o digerindo arte fez anos! Na verdade, fez "ano", já que completou um ano no ar. E com esse um ano, gostaria de postar algo sobre um artista do qual gosto muito, e que por sinal, é dos que mais ouço falar mal por aí. Trata-se de Robert Ryman.
Marcadores: branco, Malevich, pinturas monocromáticas, Robert Ryman
Um post curto... Uma frase que encontrei no site da futura biblioteca Brasiliana USP.
"Dentre os instrumentos inventados pelo homem, o mais impressionante é sem dúvida o livro. Os demais são extensões de partes do corpo. O microscópio e o telescópio são extensões da visão; o telefone uma extensão da voz e finalmente temos o arado e a espada, ambos extensões do braço. O livro, porém é outra coisa. O livro é extensão da memória e da imaginação. " - Jorge Luis Borges, 1978
Marcadores: biblioteca brasiliana da usp, jorge luis borges, o livro
Não, não é mais um post sobre minimalismo, mas sim sobre literatura, já que fazim um bom tempo que não escrevia nada sobre um bom livro.
O autor é o francês Georges Perec, e o livro chama-se Especies de Espacios (não temos uma versão em português, infelizmente... O ideal é ler no original em francês, pois há jogos de palavras bastante interessantes nele, mas como eu não falo/leio/escrevo/entendo francês...). Datando de 1974, o livro é uma narrativa em primeira pessoa, meio que autobiográfica, onde o autor relata experiências e impressões que possui de diversos tipos de espaços. Desde o espaço literário, passando pelo espaço da cama, para o quarto, o apartamento, o andar, o bairro, cidade, país, até o mundo, oferecendo ao leitor os mais inusitados pontos de vista, com as mais estranhas sugestões de utilização de espaços que se poderia imaginar. Aqui um exemplo:
"cuando en una habitación dada se cambia de sitio la cama, ¿se puede decir que se cambia la habitación, o qué?"
Não é das perguntas mais comuns de serem feitas, mas o que o escritor nos pede, mais do que respondê-la, é que pensemos nesses espaços comuns, pois são os espaços onde a vida acontece, onde o extraordinário ordinário se faz presente, onde de fato existimos. E esse existir muitas vezes acaba por chegar numa monotonia tremenda porque não se pensa nesses espaços, não se procura utilizá-lo de maneira diferente que aquela a que aprendemos a fazer, e que nossos pais nos ensinaram a usar, e que seus pais os ensinaram a usar, etc... Perec nos fornece motivos para questionar a organização arquitetônica de uma casa, o uso das paredes ("Podríamos escrebir en las pareder(...) pero rara vez los hacemos"), etc... Num outro exemplo primoroso da capacidade de escrita de Perec, ele nos coloca passo a passo as ações de uma mudança de residência:
"limpiar verificar probar cambiar acondicionar firmar esperar imaginar inventar invertir decidir ceder doblar curvar enfundar equipar desnudar partir enrollar volver golpear refunfuñar sombrear modelar centrar proteger entoldar amasar arrancar cortar conectar esconder soltar accionar instalar chapucear encolar romper atar pasar apilar amontonar aplanchar pulir consolidar hundir enclavijar enganchar ordenar serrar fijar clavar marcar anotar calcular medir dominar ver apear pesar con todo su peso ebadurnar apomazar pintar frotar rascar enlazar subir tropezar franquear extraviar hallar revolver tumbarse a la batrola cepillar enmasillar desguarnecer camiflar enmasillar ajustar ir y venir lustrar dejar secar admirar extrañarse exasperarse impacientarse sobreseer apreciar añadir intercalar sellar clavar atornillar fijar conser ponderse en cuclillas encaramarse enfriarse centrar acceder lavar evaluar contar sinreír sostener restar multiplicar quedarse plantado esbozar comprar adquirir recibir devolver desembalar deshacer orlar encuadrar engastar considerar soñar fijar agujerear estrenar una casa acampar profundizar alzar procurarse sentarse adosar apuntalar enjuagar desatascar completar clasificar barrer suspirar silbar mientras se trabala humedecer encapricharse arrancar fijar carteles pegar jurar insistir trazar acuchillar cepilla pintar agutejerear conectar alumbrar cebar soldar curvarse desclavar sacar punta atornillar distaese disminuir sistener agitar antes de usar afilar extasiarse rematar atrancar rascar desempolvar mniobrar pulverizar equilibrar verificar humedecer taponar vaciar triturar esbozar explicar encogerse de hombros acoplar dividir andar de aquí para allá hacer tensar cronometrar yuxtaponer acercar casar blanquear lacar volver a tapar aislar arquear prender ordenar enjalbegar fijar recomenzar intercalar extender lavar buscar entrar soplar
intalarse
habitar
vivir"
Marcadores: espécies de espaços, Georges Perec, literatura
Fazia tempo que não postava duas vezes no mesmo dia, mas como encontrei certo tempo tanto para perscrutar na internet por novidades (ao menos para mim) quanto para escrever, colocarei um dos meu achados aqui.
Ano novo vida nova? Não, a vida é a mesma, mas de fato, a mudança de ano nos possibilita repensar nossos atos de maneira a quem sabe encontrar novas proposições de atuar. Isso é algo inconciente e acontece sem que percebamos... É como, numa comparação já batida, um caderno em branco. Todo novo caderno que pegamos para começar anotações como que fazemos um propósito de organização, de letra bonita e de não escrever nele bobagens, nem arrancar suas folhas. E assim é um novo ano!
O que pensei para esse ano? Ora, ser diferente! Mas isso é para outros posts, outras histórias. Quanto ao blog, pretendo ser mais constante nele... É só ver o ultimo post de quando data... É... faz um tempo... O importante é não parar!
Uma coisa que reparei também é que de dezembro pra cá, meu número de acessos diários caiu drasticamente. De quase 30 por dia, agora são 2 ou 3, num ápice de 7. Me parece que o pessoal que acessa esse blog é constituído basicamente de estudantes, que estando de férias, páram de estudar. Eita, brasilzão, né? Mas beleza, vou continuar gerando conteúdo para eles, para que nos seus trabalhos do semestre que iniciar-se-á em fevereiro/março, continuem tendo material de referência. Agora, ao post.
Hoje, de volta à pintura, escreverei sobre uma artista brasileira chamada Gabriela Machado. Como um caminho natural, a artista começou sua pintura figurativamente, com naturezas mortas, e agora pinta de maneira abstrata (Iberê Camargo também passou por esse caminho, depois finalizando sua vida de volta à figuração, embora de maneira pouco figurativa... É, essa sua fase final merece um post só para ele... Vejamos se terei capacidade para isso algum dia...). E é essa fase que aqui se encontra.A obra ao lado faz parte da sua série "Cascas", de 2005. A fartura de tinta e de cores é algo bastante instigante nela, contrapondo-se à grande área limpa, branca no entorno da mancha de tinta, levemente deslocada do centro físico da tela. É um quadro de grandes dimensões (220 x 196 cm), o que o torna ainda mais impressionante. E ao mesmo tempo que percebêmos a iminente abstração presente na tela, vemos certo grau de figuração ao relacionarmos o nome ao conteúdo da obra. O termo "casca" remete a algo próximo a proteção, consequentemente, vitalidade, e na tela encontramos ambos elementos presentes respectivamente na cores derivadas do marrom na base da mancha e do vermelho, na sua área superior. Enquanto na parte inferior, essa "casca" possui veios bem marcados, com cores fortes, constrastando os ocres aos marrons e aos pretos, no vermelho há uma diluição, um certo caráter homogênio que engrandece essa contraposição das áreas da pintura. O gesto da artista em ambas áreas também prestam a essa impressão de interior/exterior a que o termo "casca" nos fala. O diálogo com o nome da série "Cascas" é fundamental à fruição da obra, bem como às demais telas.
Outra série sua, a série "vermelho" acaba chegando nesse mesmo diálogo nome e obra. O mesmo vermelho que antes nos lembrava certo organismo pulsante agora se encontra espalhado, fluido embora travado, ao longo da tela. Esse paradoxo "fluxo x estagnação" é um dos pontos de maior interesse na obra, pois embora esse vermelho seja expansivo, seu contraste com o branco é bastante forte, e as áreas onde aparece a tinta falha pela sua escasses no pincel da artista tornam esse sentido de estagnação bastante proeminente e expressivo. Ao contrário da série anterior, onde havia um núcleo na tela, um ponto pulsante, nessa há um esparramado por todo o campo, que transmite certa continuidade vertical que na outra não havia, chegando a instigar o observador a imaginar suas continuações, figurativando a abstração da tela.
Para mais sobre a artista, outros trabalhos no site do canal contemporâneo.
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